Ar fresco

Há alturas em que fica tudo denso. Não há luzes, nem boias de salvação que nos valham. Perde-se o norte, os objetivos. Perde-se as perspetiva de saber que os dias cinzentos aparecem e tão depressa aparecem, como não vão durar até sempre.

Há dias e momentos assim. Persistir nessas alturas é um exercício necessário, nem sempre bem conseguido porque é fácil acreditar quando tudo está bem. E tão, tão difícil de o fazer quando tudo à volta se encolhe. Há dias e momentos assim.

E este persistir é agarrar ao que se pode. Chamo-lhe portos de abrigo. Portos de abrigo de amigos. De gente que nos quer bem. Gente que acredita em nós quando nós não o fazemos. Lugares, onde já fomos felizes e nos transportam para esses momentos de bem-estar. E nós próprios. Em que, não esquecendo quem somos, recordamos as muitas batalhas já travadas e voltamos a esse lugar seguro de que no fim, de uma ou outra forma, feito o esforço individual, tudo vai acabar bem. Porque se persiste, insiste e continua-se a dizer que para a frente é o caminho. Mesmo que se tenha que parar.

E às vezes, muitas vezes, há uma lufada de ar fresco. Que não se percebia que fazia falta. Seja pela forma de uma pessoa ou um acontecimento. Em jeito de resposta, da vida, do universo, da nossa pessoa do futuro nos dizer: Vês...continua, que chegas lá. 

Ar fresco. Às vezes, só precisamos disso. E a seguir é fazermo-nos à estrada para mais uma aventura de cada dia. Porque um dia, no futuro, vou fazer uma aventura assim. Mais ou menos radical, as aventuras fazem falta. Até lá, lufada de ar fresco.


 





Olhares


Entraram no comboio. Para Ela, era a viagem 2643. Para Ele, uma aventura. Sentaram-se nuns lugares normais. Ele achou-os extraordinários. Ficou do lado da janela. Olhos muito abertos. A mente ainda mais. As cores de uma luminosidade tornada ainda mais viva por ser Verão. Junto ao Tejo. 

O fascínio de uma grua, dos barcos. Das muitas pessoas. Ela, largou o livro que vinha a ler. Arrumou-o na mala. E começou a contemplar pelos olhos D´Ele. Os pormenores. Muitos, salpicados à medida que a viagem decorria em ritmo compassado, à vontade da carruagem e da máquina de ferro. E lembrou-se que se tinha esquecido de Olhar. Tudo de novo. Como só uma criança sabe fazer. Ela deveria ter 21, Ele pelos 12. 

E o que recorda dessa tarde de passeio, dessa partilha de irmãos, foi essa aprendizagem boa que só as crianças nos ensinam, em que tudo é possível, o Mundo uma aventura e descoberta. Há outro encanto em tudo o que se faz, toca e descobre. E está-lhe grata. De volta e meia recorda esta história. Porque de volta e meia é preciso descobrir aventuras nos dias. E em que as crianças são especialistas. 

Mesmo em dias de chuva como os de agora. Tal como este vídeo que vos deixo.






P.S.: Boas aventuras novas meu irmão. Que mantenhas essa enorme capacidade de olhar, tal como naquela viagem de comboio <3. 

Uma folha e uma caneta.

Põe a mão na mala. Nada.
Volta a mexer. Nada.
Um ligeiro pensamento de pânico miúdo trespassa-lhe a mente: "E se...".
Novamente vasculha tudo entre bolachas, agenda, lenços, chaves. Nada MESMO.

Pensa como é que vai recuperar o telemóvel que acaba de deixar em casa dos amigos? Amigos estes que se mudaram agora de casa, por isso, não sabe movimentar-se nesta grande cidade para ir lá ter. Foi ele, que simpaticamente a deixou à porta da clínica onde ia ter consulta, logo a seguir ao almoço.
Nada.

A história acaba por correr bem. Lá se lembra do único número de contacto que sabia de cor (a casa dos pais!), amigos em comum, e pediu-lhes o contacto deles. Recorreu a uma cabine telefónica (será que ainda existe? funciona?) e conseguiu.

E enquanto se dirigia para o local de encontro, com hora marcada (que não havia telemóvel para outras combinações ou desmarcações) pensou naquele dia, cheio de percalços. Nos porquês, nos sobressaltos e desvios de um dia, que tinha começado, já por si, de forma tão atribulada.

E às vezes não há explicações. Às vezes aceita-se o descontrolo do dia, imprevistos e tira-se o melhor partido dele. A espera. Sem sms, sem agenda eletrónica.

Apenas a conversa com um senhor na paragem de autocarro a precisar de orientações.

Apenas esta folha e caneta. Este novo texto. E este sol, tão bom.

Deixar o descontrolo das situações ocorrerem porque nada mais há a fazer. O telemóvel vem a caminho.

Neste silêncio, que até sabe bem, até o olhar estranho de quem passa e não percebe o que é que aqui se passa: parada no passeio a escrever. E apenas esta folha e caneta. Simples.