Dar uma cambalhota

Levanta-se. Arrasta-se corredor a fora até ao wc. Liga o chuveiro. Quase que adormece encostado à parede. Enfia-se por baixo da água quente. Ahhhh, tão bom! Mas é melhor despachar para poupar na água, na conta e no tempo.

Veste-se num instante. Olha para o pão de forma. Tão bom agora fazer uma tosta mista, beber uma meia de leite. Melhor não. Aquilo deve engordar, faz mal à saúde e leva a atrasos. 

Entra no carro e que música boa! Melhor não. Ouvir uma estação de rádio mais convencional, onde passem as notícias, os debates, as últimas cotaçoes de bolsa, os sinais de crescimento de mercado. Logo, se houver tempo, logo se há-de ouvir.

Queria ainda telefonar à "amiga"...quem sabe se é hoje que lhe sai aquela frase e ela perceba. A esta hora ... melhor não. Pode ter acordado mal-disposta, rabugenta e então é que não consigo nada. E gosto tanto, tanto dela.

E quase a entrar para o edifício, para onde vai estar enclausurado 8h, 9h ou talvez 10 h, olha para o lado. Um relvado lindo, verde. Muito verde com estes primeiros sinais de raios de sol a sério. Vários e muitos tapetes coloridos espalhados. Um grupo de crianças, entre os 3 e os 4 anos, sentados em roda, à espera do que o educador lhes diga. Então, um a um, levantam-se e colocam-se em fila.

Faço ou não faço? Melhor...SIM!

Segue passos rápidos. Como se a vida, de repente estivesse toda ali. Atira com os sapatos, a mala. Chega junto do educador e diz:

" Posso dar uma cambalhota?" 

O educador, estranhando apenas um pouco, afinal passa o dia com crianças, diz-lhe que sim. Que fizesse favor. Que escolhesse o colchão com a cor preferida. 

E então rebola. Uma e outra vez. E os miúdos, enfileirados, seguem-lhe o exemplo. Não estranham. Afinal, raramente adiam o que querem fazer. Só quando lhes dizem. Ordenam. Afinal, deviamos todos, fazer muito mais, aquilo que nos faz feliz.








O corpo prega partidas

Às vezes perde-se a voz.

Outras vezes acontece dar-se um mau jeito ao pé e ups, uma entorse.

Perdem-se os sentidos e cai-se escada abaixo. Braço ao ombro por uns dias.

Outras vezes são os pulmões, cansados de tanto correr que pedem descanso.

O corpo avisa quando a mente não tem juízo. Corre-se muito hoje em dia. Literalmente, de um trabalho para o outro, de casa para o trabalho, do trabalho para ir buscar os meninos, o namorado, o piriquito! Corre-se para ir ao ginásio, para vir de lá e a correr ir dar um beijo aos amigos. E no meio destes atropelos de nós, o corpo vai avisando, primeiro devagar e de mansinho, só com um desvio da tensão arterial, uma constipação, ou uma rouquidão. Quando não se quer ouvir...fica-se de cama, no sofá. Fica-se a marinar em banho maria, até que corpo e mente se voltem a encontrar.

O corpo prega partidas e chama-nos à razão. Primeiro baixinho a sussurrar, depois aos gritos, até que finalmente se pare de correr.

Melhoras para todas as constipações, fungadelas, entorses, tensões arteriais e braços ao peito por aí. O corpo prega partidas, ai prega, prega :)




A dieta

Fala-se muito de alimentação saudável. De uma dieta regrada, equilibrada e variada. Sem exageros, nem excessos. Perder peso, mantê-lo ou ganhá-lo. Há para todos os gostos e credos. E Credo! É mesmo a expressão quando se pensa em dietas. Porque é muito bom comer e saborear a comida sem o peso de se comer. Porque se pode comer bem e a saber bem, tendo todo o prazer que faz parte de olhar, saborear e ingerir os alimentos.

Sobre isto muito se fala e divulga.

E sobre outras dietas? As dos pesos de alma, dos dias? A dos pesos das pessoas que se carregam às costas? Das situações desconfortáveis? De uma outra situação desagradável, do trabalho, da família?

São pesos capazes de fazer os outros pesos, parecerem plumas leves e soltas. Há por aí muita gente obesa, balofa, com pesos toneladiónicos. Há por aí gente capaz de carregar os seus pesos e o dos outros. E aquilo incomoda, faz contorcer o olhar dos dias, a leveza da vida, que também existe em cada um de nós. Por isso, cada vez mais importante, tem sido recomendada a dieta de dentro, de alma, de espírito.

E depois destas filosofias todas... que se ponha em prática, já esta dieta simples. Façam-se listas do que nos pesa. Encontrem-se soluções, alternativas para os descartar. Alguns são demorados como contas ou questões financeiras. Outros têm a ver com pessoas, que fazendo-nos mal, continuamos a insistir em carregar com elas. As situações de conflito, o trabalho... seja o que for. Mas que se mude a perspetiva, que se tire esse peso de cima e se resolvam os assuntos. Que se comecem a resolver de vez. Agora. Já. Ontem. 

E a bem dizer, se tanta gente começa a trabalhar para a época balnear em janeiro... muito interessante será ter uma mente livre e liberta para fazer topless. 

A dieta. De alma. Livre e libertadora.





Era um umbigo lindo de morrer

Não era um umbigo qualquer. Não sanhor. Era assim... uma perfeição. Com a curvatura certa. A antever que por detrás das pregas de pele, estaria um mundo por descobrir. E mais. Sem ponta de cotão. Não sanhor, que aquilo era um umbigo asseado. Era um umbigo lindo de morrer. Sim sanhor.

E quantas vezes se vai para casa a magicar naquilo que o outro disse? Quantas? Hum, confesse-se. A pensar naquela expressão. Naquela piadita de mau gosto. Quantas? Há, inclusive quem perca o sono, a fome, a vontade de fazer práticas tão bonitas do amor, só, só a pensar no que a Belmira do 3º direito disse. Ou o Nunes, do escritório do lado. E a outra, a loira da loja da frente, sempre ali a pavonear-se... 

A verdade é que é tudo uma questão de umbigo. Ora formemos um pensamento coletivo. Sabem quanto tempo o Nunes ficou a pensar na piadola que mandou? Nem um décimo de segundo! Nem a Belmira que está é preocupada com os cabelos brancos que lhe começaram a aparecer. Nem a loira da loja que, afinal, está a pensar que a ruiva do fundo da rua tem melhores manequins na montra do que ela. 

A grande maioria está a pensar  NO SEU PRÓPRIO UMBIGO! Não generalizando, é claro, mas esta ideia acaba por ser extremamente tranquilizadora. Porque quando se dá muito peso a situações que não o merecem (e a grande maioria, não merece mesmo!) é pensar no umbigo e aceitar que aquilo com que o outro nos quis atingir não vale o tamanho de um umbigo: disparou, atirou e..... ups, esqueceu! Justifica ficarmos a contar carneiros durante uma noite inteira, por causa do Antuntes? Não justifica, não sanhor. O Antuntes já está noutra. 

Relativize-se. Porque na verdade, a maioria está a pensar no seu próprio quintal...ou umbigo lindo de morrer. E sem cotão, se faz favor.