Vamos Cuscar #29

É uma Mulher imponente, grande, que dificilmente passa despercebida no meio da multidão. Sim, tem muitos mais centímetros que a maioria, uns olhos onde cabe o mundo e um sorriso rasgado que se torna tão quente e afetuoso, pelo grande coração que tem. Nele cabe uma forma de olhar os dias e sobretudo os outros, que vai para lá do óbvio. Mas não é só daí que vem a sua grandeza.

A Elisabete vê para lá do que é visível. Parece-me até, que faz questão disso. Tirar a camada do que lhe aparece à frente para ir ao que importa no que a rodeia e nos outros. Não fosse o seu olhar treinado pelo microscópio onde sabe o poder que pequenos fragmentos de tecidos e células fazem na vida de quem está a ser analisado. 

Vemo-nos pouco ao vivo mas é como se estivéssemos lá na mesma. Podem passar meses sem trocarmos uma única frase e depois, está tudo lá para retomar onde ficámos. E vamos ao que interessa naquele momento. Apenas Ser e Estar. Já não nos víamos há, talvez mais de dois anos. Calhou, por obra do destino, darmos um longo abraço, mesmo antes deste confinamento e partilharmos umas papas de aveia e maçã, às 5h da manhã que souberam a amor. Sou-lhe muito grata por este e outros momentos em que esteve lá. Esteve lá. De alma e coração.

Vamos Cuscar... a Elisabete Balau?








Idade: 51

Naturalidade: Castelo Branco

Comidas preferidas: Caril de gambas/cozido à portuguesa

Um livro a não perder: "O anjo Branco"/" Filhos de um Deus menor"/"Por quem os sinos dobram"/"Triologia Langani "...desculpa, é muito difícil escolher um

Um sítio de sonho visitado e outro de sonho a visitar:
Polinésia Francesa/Namíbia



1.       Tendo origens africanas e muitas vivências do interior do país, de que forma, ainda hoje, essas influências convivem no teu dia-a-dia? 
A influência africana traduz-se na necessidade de socializar, na maneira descomplicada de viver, no rir sem motivo aparente, na presença da música e da dança em mim, na adaptabilidade que procuro sempre, no espírito levemente inquieto e insatisfeito (como se estivesse grata por ser e ter, mas sentisse poder procurar mais, conhecer mais, intervir mais, agir mais, ir...); na importância do toque e da proximidade afetiva, na relação com a natureza sublime (a paixão pela vida selvagem, pelas planícies sem fim, pelos relevos geográficos, pelo vento que sopra no cabelo, pelo cheiro a terra molhada, pelo som longínquo dos animais, pelo grito das aves, pelo sol abrasador que se verga à lua gloriosa do fim de tarde, pelo amanhecer que se espreguiça devagarinho...), na presença das especiarias na minha história gastronómica. 

A influência beirã relaciona-se com o sentimento de pertença, com o valor que tem para mim olhar nos olhos do outro, com o conceito de família alargada ao pequeno núcleo social em que cresci e que tenho como meu , que procuro amiúde e presentei sempre como sendo "a nossa terra" aos meus filhos. Passa pelo respeito pelos nossos antepassados, pelas suas histórias, pelo nosso passado, e pelas relações que estabeleci ao longo do meu crescimento e que tive o orgulho de manter. Ter raízes numa terra é mostrar aos nossos filhos que existimos em diferentes mundos, que somos uma continuidade, várias portas abertas que permitem que circulemos livremente, quando o fazemos com respeito por nós e pelos outros.




2.       Sendo mãe de 2 jovens, rapazes, gémeos, quais foram os maiores desafios que enfrentaste quando eram mais pequenos? 
O tempo... a falta dele! Cronometrar ações. Mas uma das fases mais mágicas da minha existência. Vontade de dar amor a todos, como se fosse a minha forma de agradecer a enorme bênção que é ser mãe.

3.       A mudança do mundo é inevitável à medida que as gerações se sucedem. Por isso, a forma como viveste a tua adolescência e a deles é diferente. Em que aspetos, ainda bem que assim é, e em que aspetos lhes vai trazer, a eles, mais desafios à medida que crescerem? 
Nascerem num mundo de tecnologias deu-lhes estratégias nessa área, como se lhes  fosse intuitivo e inato. Mas tenho que estar sempre a trabalhar com eles as competências sociais e emocionais. Parecem ter nos genes a vontade de viver à distância. Como se vivendo assim não fossem sofrer, não tivessem que lidar com as vitórias mas também com frustrações, ou não precisassem gerir aceitação mas também incompreensão e rejeição...


4.       Só para dizer o nome da tua área profissional, quase que é preciso tirar uma formação! Como é que surgiu a ideia de ir para este curso? Desde cedo senti "ligação" à área da saúde. Ao "investigar", deparei-me com a Anatomia Patológica e senti curiosidade...



5.       Explicando a leigos, o que fazes mesmo? 
Área que procede à análise morfológica de órgãos, tecidos e células, tendo como objectivo o diagnóstico de lesões, com implicações no tratamento e prognóstico de doenças e sua prevenção. Ou seja, examina, processa e diagnostica biópsias, peças operatório complexas, rastreio citológico, assim como exames genéticos. Também temos uma vertente mais voltada para a veterinária... e para a área alimentar. Mas sempre numa perspectiva de diagnóstico.






6.       Como se mantém o fascínio por esta área profissional ao longo da tua já tão vasta experiência? 
O que mais motiva é a variável investigação e avaliação. É a mutabilidade do corpo humano, e a certeza de que nenhum caso é igual a outro. Tem que se ter uma atitude constante de leitura do "panorama macroscópico" e de alerta para o" pormenor microscópico ". É a ponte entre o quadro clínico e o exame do fragmento representativo da causa de doença.


7.       Os resultados, das análises que passam pelas tuas mãos, nem sempre são os melhores. Serás, por ventura, a primeira pessoa a saber, que a vida de alguém vai mudar. Como aprendeste a gerir isso, ao longo dos anos? 
Na verdade, o distanciamento que existe entre mim e o doente é preponderante nesta questão! Não cabe à Anatomia Patológica informar o resultado das análises efetuadas. Isso cabe aos médicos dos serviços requisitantes. Acabamos por ver uma análise sem rosto... um diagnóstico sem correspondência com uma pessoa e as suas singularidades e  fragilidades.

8.       Quem te conhece, sabe que, mesmo quando a vida te diz que Não, lhe respondes com um sorriso, um olhar de frente e um sentido de humor de quem levanta os braços e que vai lá perguntar: Como é que é? Onde vais buscar essa força e resiliência? 
Sou assim? Na verdade, tento ser... Uns dias resulta, noutros não. Mas sigo muito a máxima "se a vida te trouxe aqui, é porque terás força para viveres isto... e saíres desta situação mais forte". Quero acreditar que o que nos acontece de menos bom, terá um motivo, levar-nos-á eventualmente para um caminho melhor. Ou far-nos-à melhores pessoas, talvez. Pode até ser uma forma retorcida de encarar o que de pior me acontece, mas é a minha estratégia de gerir a questão. E tento nunca guardar rancor e estar infeliz por muito tempo. A tristeza não é um estado de espírito meu, é apenas um momento para respirar fundo, chorar um pouco e depois é levantar a cabeça e seguir caminho. Porque o que não tem solução, solucionado está. O meu pai ensinou-me a rir de mim própria, das minhas fragilidades, incapacidades e imperfeições, desde muito cedo e de forma por vezes um pouco" "Incompreendida e dolorosa"...mas hoje sinto que o que os outros pensam já não me magoa tanto... É a nossa evolução em sociedade... Gosto de me ver como uma pessoa viva e alegre. Posso até nem ser para os outros, mas dentro de mim, gosto de sentir esta sensação que preenche...de paz. 



9.       Como profissional na área da saúde, que está na linha da frente deste momento tão desafiante para todos, que mensagem nos queres deixar? Na verdade tudo foi dito já! Ficarem em casa, para evitar o contágio... para reduzir o número de infetados e permitir acesso de cuidados mais diferenciados a quem precise. Evitar que fiquemos muitos doentes ao mesmo tempo, porque reduz os recursos disponíveis e diminui a capacidade de resposta de apoio. Cuidar das pessoas mais vulneráveis, os mais idosos, com doenças crónicas, com debilidade imunitária... Cuidarmos uns dos outros, sejamos ou não família. Ajudar dentro do que nos é possível. Manter o sorriso, pensar em tudo de bom que temos. Esta situação em que nos encontramos relativiza muito a nossa vida como existia... O que interessa de facto? A saúde! A família! As necessidades básicas acauteladas! Saber que temos pessoas que se lembram de nós! Perceber que o que fazemos com a natureza tem mesmo consequências... e que não são só a longo prazo, quem sabe só sofrerem os nossos netos... NÃO! O que fazemos hoje pode ser "pago" hoje! E aqui está! Invadir os habitats equilibrados e destruir tudo à volta, tem resultados, e devastadores. Habituámo-nos a ver essas consequências longe, mas agora percebemos que tudo está ligado... é a globalização! Terá que ser a responsabilização mundial...e individual também! O que o outro faz tem reflexo em mim!

10.   Este blog chama-se Penso Rápido – pequenos remédios para as comichões do dia-a-dia. Que Penso Rápido usas no teu dia-a-dia? 
Na verdade são três encadeados "respirar/sorrir/abraçar". O que também me ajuda muito, nos momentos mais difíceis é relativizar e fazer a aceitação. Relativizar o que me sucedeu é ver dentro de mim o que sou e o quero melhorar, ver o que consegui alcançar e o que estou ainda capaz de fazer. É olhar para fora de mim e ver que há situações mais limites e difíceis que a minha e há pessoa que ainda assim vão à luta! Relativizar ajuda... faz-nos sair de nós e desvalorizar um pouco o que nos dói... faz-nos perceber o que ainda temos conosco! 
A aceitação passa por isso mesmo, aceitar que acontece, também acontece conosco e que teremos o amanhã e o depois, e que temos que estar capazes! 

Também faço um exercício quando estou numa situação mais difícil. Olho para o cenário e tento "ver" o que é expectável fazer em situações iguais, o que se espera. E tento ver se posso fazer o que não se espera. Tento superar a vontade de fazer a primeira coisa e superar-me. Ver que também tenho a minha quota parte de responsabilidade... Às vezes surgem opções e alternativas tão mais evoluídas e humanas que nos trarão mais paz interior. 

Mas o que mais me ajuda a seguir, é ver-me acompanhada... é ter amigos, mais que isso, irmãs e irmãos, que estão lá... mesmo sem que eu precise de falar, que estão lá! E que estão aqui, sempre no meu coração!






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