Uma década de uma vida inteira de João

Não nos tornamos logo mães.
Quando nasceu fiquei a noite inteira a olhar para ele a tentar perceber, o que é que estava a acontecer. A dimensão dele e nossa e como não seria mais a mesma. Um buraco imenso de um amor que desconhecia e do outro lado da moeda, um medo de tudo o que pudesse não correr de feição. Arrependi-me. Devia ter dormido nessa noite porque as seguintes já não deram. 

Por isso, não nos tornamos logo mães. Vou-me construindo à medida de que puxa por mim, me faz perguntas, muitas, muitas, me questiona nas minhas verdades para descobrirmos uma nova verdade em conjunto

Com ele voltei a olhar para os meus hábitos de livros e de conhecimento. Pelo querer saber sempre mais. A empurrá-lo com gentileza para fora da sua zona de conforto quando sei que vai ficar mais feliz a seguir. A fazer figura de tonta quando o vejo num qualquer palco, numa qualquer peça de palco, para ver que ali estou, por e com ele. Sei a conquista grande que foi para ele chegar ali. Estivemos juntos em cada degrau dado, do meu colo, cheio de choro e incertezas, para ali. 

Descobri um mundo cheio de galáxias, de extra-terrestres, de Wobi Woo Kenobi, e de Jedis e de Yoda. A olhar para os paus e canas que vamos encontrado pelo caminho, como espadas. Sempre as espadas que se acumulam na parte de trás do carro. "Só mais esta mãe!". A adorar ainda mais chocolate. Fui gulosa por chocolate na gravidez. Deliciava-me com algum do chocolate que ia comendo. Deve-lhe ter passado para o ADN. É um apreciador de chocolate. 

Às vezes, de manhã, ouço-o a cantar e contenho-me no meio das pressas do relógio que não pára para o ouvir. Distrai-se outras vezes e faz-me ter fúrias de vulcão em erupção quando repito as mesmas coisas, cinco, seis, dez vezes seguidas. Depois aparece e pede um desculpa, que lhe sai de dentro e se vê nos olhos. Nem sempre o meu vulcão se deixa amanssar e digo-lhe que me dê um tempo. Às vezes é ele que me pede um tempo. Por isso, não nos tornamos logo mães. É um processo em construção.

Hoje faz uma década desta construção, na certeza de que há muitas incertezas, de que ele está a crescer e a mudar. E eu mudo com ele também. Estou-lhe muito, muito grata por isso. O meu João.







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