O carteiro tocou à porta

O carteiro tocou à porta. 
Abro e espero que seja alguma encomenda ou carta registada. A casa não é minha, mas na minha é assim que funciona. Na maior parte, acho. Encontro já o carteiro a entrar na carrinha, espantado por esta minha cara que não conhece e diz: “Há correio!”. Fecho a porta, um pouco sem perceber e digo: 
“ – Oh tia, mas aqui os carteiros têm tempo para tocar a campainha e avisar que há correio?? 
- Não minha querida, mas ele é um querido amigo nosso e devia ser para se meter connosco!”

E foi assim, mais ou menos, durante uma semana. Entre a vizinha que aparecia e dizia: “Olha aqui estas alfaces viçosas! Eu que saiba que andes a comprá-las!! Em precisando é só dizeres.” “Ó Luís, tire-me aqui a carrinha do meu homem que preciso de lavar o garagem e ele saiu cedo.” Ou ainda… “Vou ali levar as sobras do jantar e as cascas das verduras para o porquinho da vizinha…custa-me deitar isto fora se o bichinho até os come.”

Isto tudo passou-se numa cidade, pequena é certo, mas onde se vive em espírito de comunidade. Nem sempre assim será mas em tempos em que existem tantos espaços individuais, os espaços coletivos parecem importantes que se voltem a desenvolver. Um espaço que sempre existiu nas aldeias e que permitiu a sobrevivência física mas também muito de sobrevivência psicológica de tempos mais ou menos difíceis. Pode até não ser preciso nada mas só de se saber que está por ali alguém com quem falar, pedir, partilhar, a quem também se dá e por esse mesmo motivo, e ao mesmo tempo, se recebe

Qual a responsabilidade individual de cada um, no contributo coletivo? Cabe a cada um responder. Nem todos estarão para aí virados, encaixados ou ajustados. Ver uma experiência destas ao vivo faz pensar. E são tempos de repensar. 

Só um bocadinho…estão de novo a bater à porta…quem será?




A importância das pequenas coisas

“Estou gordo!”
“Tenho a casa num caos!”
“Faltam-me estudar 300 páginas para o exame de…amanhã!”
“Gosto tanto dela…”
“Não tenho tempo para brincar com os meus filhos.”
“ Há tanto tempo que não convido amigos cá para casa.”
“Não gosto do meu emprego.”
“Falta-me dinheiro para comprar uma máquina fotográfica.”

A lista não termina. Cada um tem a sua, diariamente ou até por uma vida inteira. Há muitos, muitos obstáculos no caminho. Existirão sempre. Fazem parte do percurso de cada um. Por vezes faltam as forças, a vontade, a fé e os recursos. O ânimo perdeu-se entre as rotinas, os papéis, as obrigações.
Quem já viu uma criança a desejar um brinquedo novo ou uma guloseima muito apetecida sabe que dificilmente desistem. Chegam a fazer grandes birras enquanto não têm o que conseguem. Umas vezes funciona. Outras não…mas TENTAM, acreditando que talvez desta consigam. Não ficam a lamentar-se da conjuntura socio-político-económica do país. Se têm mais ou menos recursos financeiros, se o mealheiro está ou não cheio. Isso são meros pormenores porque a VONTADE é maior. Ficam quase cegos e surdos aos argumentos dos adultos.
Umas vezes funciona. Outras não…mas TENTAM.
Na sua busca não há MAS ou QUANDO EU tiver dinheiro ou tempo. A VONTADE existe, o sonho também. O resto são pormenores de menor importância.
Umas vezes funciona. Outras não…mas TENTAM.
E assumem que a responsabilidade dessa vontade só a eles lhes pertence. Não arranjam intermediários, nem se desculpam com a vida ou os OUTROS.
Todo o santo dia, cada um levanta-se e é totalmente responsável por aquilo que fará desse dia. Dessa enorme bênção que é ter um dia inteiro pela frente de desafios, uns mais cinzentos, outros nem por isso. Desafios. Constantemente.
As mudanças podem acontecer nos mais variados ritmos. Mas que se TENTE. O ser humano é de hábitos, costumes, tradições. De saberes enraizados nos genes, milhares de anos depois do seu aparecimento. Por isso, que cada um encontre o seu ritmo de mudança. Mas que ela aconteça. AGORA. Com pequenos nadas, que façam grande mudança.
Não tenho tempo para 1 hora de exercício físico, que sejam 10 minutos.
Quero emagrecer e não sei como, então que se substitua um pão de cada vez, por algo que prazer e seja mais saudável.
No fim do dia não sobra tempo para os mais novos, então que sejam 5 minutos, de pura loucura, a dançar na cozinha enquanto se acaba o jantar.
Mas que se TENTE.
Que se COMECE.
Com pequenos gestos.
Das poucas coisas que podemos controlar é a
NOSSA vontade, a
NOSSA iniciativa, a
 NOSSA crença.
Com pequenas coisas.



O poder dos outros ou o respeito por Si Próprio

Estava a espera. E não era a primeira vez.

Talvez tenha acontecido alguma coisa. Talvez só hoje, realmente não teve culpa em se atrasar. Talvez, talvez...

E entre o esperar e não esperar, uma fúria crescia, uma revolta mexia nas entranhas. Silenciosa. Sempre silenciosa porque a sociedade assim o ditava. Afinal, há que esquecer, perdoar, desculpar e outras tretas.

Gritou. De novo. Explorou. Mais uma vez. Foi indelicado. Repetidamente.

Respeitar significa aceitar o outro na sua individualidade e particularidade de ser. Fazer-se respeitar passa por mostrar aos outros esses limites. Mostrar o valor próprio, até onde podem ou não entrar em quem somos, até onde vai o respeito que se tem pelo próprio.

Relaciona-se muito esta capacidade de ser assertivo com o valor que se tem em termos de auto-estima. Porque quando se gosta do que se tem cá dentro e por fora, não se permite que os outros interfiram de forma grosseira no seu bem-estar.

Quando se diz Basta! ou Já Chega! ao outro, ensina-se muito também a esse outro que precisa de aprender a colocar-se no seu lugar. Ensina-se que o tempo é precioso, que não volta, que tem prazo de validade e que é igualmente importante para os outros. Por isso, não se façam esperar!

Ensina-se a que o trabalho tem um valor próprio, merece ser validado como tal e que qualquer tipo de exploração é uma exploração de quem o executa.

E por fim, ensina-se que, mesmo celebrando a Diversidade Humana, há pontos que nos tocam e nos igualam, a condição humana e os valores que a sustentam.

Lia há tempos que o pior escravo é o que se deixa escravizar. Já basta, não basta? Que o respeito comece desde pequenos, com o exemplo dos grandes. Que o respeito surja nas pequenos nadas do dia, onde afinal, se encerra a sabedoria de sempre.

Por isso o poder dos outros, termina no ponto em que se permite entrar, na imensidão de quem somos...e somos muito!




O travão de mão

Só se ouviu um clique. "Ups! Lá se foi!"

Foi assim, do nada, no meio do vazio, que o travão de mão do carro morreu. Morreu sem possibilidade de resucitar ou reencarnear, ou lá que crença ele terá. Morreu.

Nuns segundos a realidade muda e transforma-se porque, convenhamos, há gestos que são automáticos e aos quais estamos habituados, partindo do pressuposto que vai ser sempre assim. Ter sempre água corrente, eletricidade, net ...  e um travão de mão.

Esta vida é por vezes um pouco destravada. Acorda-se porque sim, porque as rotinas se sobrepõem e impõem às responsabildiades do dia-a-dia. Por esse mesmo motivo é tão fácil de esquecer a importância que pequenos nadas têm, e que valem muito nos seus contextos.

Isto tudo dá que pensar. Nas pequenas bençãos. Em valorizá-las e tomar a consciência que elas existem. Porque só quando a máquina da roupa avaria é que percebemos a dimensão do estrago...e não se trata da peça que precisa de concerto. São as Grandes facilidades do que nos rodeia e das quais já não dispensamos.

Quem diz estes milagres materiais, diz também muito dos outros...as pessoas, amigos, família, animais...seja o que for. Tudo o que temos como garantido mas que na verdade pode não ser. Como o travão de mão.

(Este blog fez um ano! Agradeço a todos os que já por aqui passaram. Um beijinho especial à Ana Margarida Girão que ajudou a vesti-lo de forma mais bonita para a festa deste próximio ano.)



O Prazer

- Bom Dia Sr. Prazer!
- Ai que estou tão fraquinho...
- Não me diga! O que lhe fizeram? Onde está a paixão, o encanto, o amor, a vontade, o gozo...?
- Perdeu-se no tempo, nos seus afazeres, nas contas e desprazeres.

...

Levanta-se todas as manhãs quase a atirar-se da cama. Arrasta-se para a casa de banho. Atira com a água para uma cara ensonada, um corpo adormecido...há muito. "Este sou eu?" Passa pela cozinha, enfia algo na boca só para calar o estômago, ainda mais mal-disposto que ele. Olha para o relógio e percebe que mais uma vez vai chegar atrasado. Alta e escandalosamente atrasado. "Quero la saber!"

...
Olha para ela e não percebe para onde foi o encanto. Perdeu-se algures entre sopas, fraldas, as eternas rotinas e afazeres, as muitas contas e apertos orçamentais. Sobrevive-se a dois, a três, a muitos mais. A vida passou a ser algo mecânico, automatizado. "Já não me interessa,desde que não me chateiem muito..."
...
 
O prazer. O prazer de espreguiçar, de começar o dia e ver um sol de 40 graus num dia de Inverno. De sentir o calor a percorrer o corpo até aquecer a alma. 
O prazer de s-a-b-o-r-e-a-r a comida, de a sorver, mastigar, engolir, de olhar para ela, contemplar um bom prato de massa, um chocolate quente, um bolo acabado de fazer e sentir-lhe o cheiro.

O prazer de e com o outro. De voltar a apaixonar-se, com o mesmo ou com outro. E de elevar essa paixão diariamente a um outro nível, e a vários ao mesmo tempo: de corpo, espírito e alma. E das pequenas coisas no dia-a-dia. Ter prazer com e nele. 

Ter PRAZER senhores, e rir a bandeiras despregadas, de forma descontrolada como só os loucos e sábios sabem fazer porque não tendo noção da realidade, ou antes sabendo que ela é infinita, vivem sem limites de convenções e regras impostas.

Ter PRAZER senhores, muito mais prazer. Louco e desmedido. Criativo. Artístico. 

Porque imagine-se que o PRAZER ainda não é pago...e falo em surdina para ninguém ouvir...não vá alguém lembrar-se. 

PRAZER, PRAZER, PRAZER...fala-se pouco de prazer. 
Prazer como o de escrever aqui...há tanto adiado e hoje tinha de ser. Hoje o primeiro dia deste ano. Porque me apeteceu que assim fosse. FELIZ ANO NOVO!!! Que seja quando nos quisermos, várias vezes ao dia.




Os vários enterros

Chegada a idade adulta, é certo e sabido que já se passou por vários enterros.

Enterro do primeiro amor não correspondido.
Enterro daquela amiga muito especial e que, afinal...não era!
Enterro das calças que deixaram de caber, porque o "material" de que são feitas não presta.

E talvez pareça estranho que  se encerre o ano no blog usando a palavra enterrar.

Este ano, e olhando em redor, houve vários e muito momentos de enterro:

Do emprego de que sempre gostamos e que chegou ao fim.
Da relação que se jurou ser para sempre e terminou.
De alguém, de quem se gostava tanto e que morreu.
Do sonho transformado de ser mãe em algo diferente.
De um estilo de vida e riqueza desaparecido.
Da casa dos sonhos, entregue a outros.

Segundo o dicionário Priberam da Língua Portuguesa, enterrar significa, esconder ou meter debaixo da terra.

É possível encontrar duas grandes vantagens:
a) encerram-se assuntos. Faz-se o luto, chora-se, grita-se, revolta-se. Mas depois já chega. Não se pode VIVER em constante tristeza por aquilo que já não existe.

b) o que se enterra em solo fértil tem sempre grande probabilidade de nascer. Nunca igual. Mas provavelmente mais forte e rico pela aprendizagem.

Com este pensamento e perspetiva encerra-se por aqui o ano. Foram muitos, diversificados e alguns acontecimentos dolorosos. Por isso, um a um estão a ser alvo do respetivo serviço fúnebre. Algo de novo já está a nascer. Porque se recusa por aqui, a viver nesse estado de velório continuado. Já basta o que basta. Louva-se e agradece-se tudo o que tem resultado daí.

Em jeito de encerramento, veste-se uma roupa colorida, colocam-se velas perfumadas, abrem-se janelas e compram-se flores frescas. Ama-se muito a quem está por perto, mesmo que a muito quilómetros de distância.

A vida prossegue, a cada segundo que passa.

P.S.: Agradeço profundamente o apoio prestado a todos os que por aqui passaram. Quase na meta das 2 mil visualizações! Para o ano há mais.

Para lá do Centro

Trabalho, Trabalho, Trabalho.
Filhos, Filhos, Filhos.
Namorado, Namorado, Namorado.
Amigos, amigas, amigos, amigas.

A lista não termina. Os centros das nossas Vidas podem ser tantos, quantos os temas, gavetas ou categorias que caibam no dia-a-dia.

Quando existe um centro, o resto ficará na periferia, um pouco à margem a observar  ou a fazer o seu próprio caminho. Mas fica algo para trás. É inevitável. É inevitável também que assim seja em fases e períodos de tempo porque algo exige, por esses tempos, uma atenção maior e mais especial. Que assim seja.

Mas a certa altura é preciso voltar à periferia e ver o que por lá ficou:
  • ter filhos e voltar à relação que os originou;
  • ter um trabalho exigente e lembrar-se como é bom rebolar no chão com os filhos;
  • namorar muito mas prolongar um jantar de só família;
  • sair muito com amigas mas não esquecer de namorar;
  • e tudo isto...e não se esquecer do próprio.

É que às vezes, de tão centrado que se está num só ponto, esquece-se que são os tantos outros que lhe dão tanto gosto. Que são os tantos outros que complementam aquele ponto central que apenas o é tanto...naquele momento. Tudo gira a uma velocidade grande, e por vezes é tão bom abrandar e voltar a olhar para lá do centro.

A verdade, é que aquele relatório, prova, namorada, companheiro, filhos, trabalho, são apenas uma das muitas peças que nos ocupam e identificam. Umas mais importantes que as outras, é certo.

Mas quando se consegue ver para além desse centro, é-se muito mais rico e completo. Desdramatiza-se muita coisa, porque se deixa de ver o próprio apenas num papel de Vida.

Há quem lhe chame o Ying e o Yang e tantas outras coisas. A ideia de equilíbrio na sua visão mais dinâmica.

Nem 8, nem 80. Para lá do centro.