Vamos cuscar? 7#

Deixava os meus miúdos-tesouros logo pela manhã. Lembro-me que nos cruzámos algumas vezes. Umas vezes à chegada deles, outras vezes quando havia papeladas para tratar. E nas festas de final de ano. Sempre metida em ações dinâmicas. Recordo-me da forma despachada e prática como resolvia o que havia para fazer, indo ao cerne da questão. 

Uma entrega grande, diária. Um espírito jovem que nada tem a ver com a idade mas antes como uma forma de estar perante a vida, os dias, as situações. Não tem um pouso fixo e tornou isso uma forma de vida e de estar com os outros. Vai para onde for preciso, deixando os que ficam, sempre com saudades da sua forma de ser. Neste momento está numa missão em Moçambique, a fazer a diferença na 1ª pessoa. 

Retomamos o contacto via facebook. O lado bom do facebook. Vi um vídeo que postou. Sempre fazendo a ligação nas muitas palavras de fé que acredita e que põe em prática. Era um domingo de manhã. Os meus meninos-tesouros ainda de pijama, cabelos desgrenhados, a comerem o pequeno-almoço e a ver bonecos, sem relógios, sem pressas. Felizes. E eu a ver aquele vídeo, da Irmã, com um grupo de miúdos de sorriso rasgado, felizes por mais um chocolate. Um respeito, um amor tocável, à distância de cá. Não interessa mesmo a cor dos miúdos. Temos que ver para lá disso. Não interessam as roupas, os sapatos (a falta deles). Interessa-me a felicidade no rosto, a partilha, a simplicidade dos miúdos. Dos meus, e dos de lá e os de toda a parte. 




Pensei como haveria de mostrar aos meus as imagens. Não queria que se centrassem na cor da pele, nas roupas, nas casas, na terra. Eles gostaram muito de ver e conseguiram ver os sorrisos, a felicidade de um chocolate. O respeito pelos mais novos. Ouço a irmã Patrícia a dizer "Primeiro os mais novos.". E os mais velhos a chegarem-se para trás. Um deles, vai buscar um pequenito. Pega-lhe ao colo. Também ele recebe o chocolate. A questão não é o chocolate. É o respeito adquirido. Do outro, para além do eu imediato. 
Bem haja Irmã Patrícia. 


Vamos Cuscar?



Idade: 36


Naturalidade: Alferrarede - Abrantes
 
Comidas preferidas: Todas as que a minha mãe faz!
 
Um livro a não perder: Esta sim é uma pergunta verdadeiramente difícil… pois são tantos os imperdíveis… mas faço um exercício… fecho os olhos por alguns segundos e penso naquele que mais me marcou nos últimos tempos “O Preço a pagar” de Joseph Fadelle.


Se pudesse convidar alguém famoso (vivo ou  morto) para jantar, quem escolheria e porquê?
Convidava Maria Rivier, a fundadora da minha congregação e durante o jantar ia-lhe perguntar se ela vivesse hoje, o que faria de concreto por este mundo... uma vez que ela começou a congregação em plena revolução francesa, quando as igrejas eram fechadas. Padres e freiras eram expulsos e alguns mortos... E apenas tinha 1 metro e 32 centímetros de altura com saltos... (risos)... e foi para a frente sem recear nada e ninguém. Quando morreu tinha aberto 148 casas e escolas em França onde os pobres tinham o primeiro lugar... E hoje...o que faria?

  1. Chegar a irmã religiosa é uma sucessão de passos ou um belo dia acorda e tudo passou apenas a fazer sentido deste modo?
Um longo caminho a percorrer… um história simples de amor. Há quem ainda pense que se é “freira” por desgostos amorosos ou uma qualquer frustração… não! Esta vida é uma QUESTÃO de Amor… se não amo não faz sentido estar aqui. Mas posso partilhar um pouco da minha história… sempre fui um “pouco” rebelde e inconformada… sempre procurei algo mais do que aquilo que o momento me poderia oferecer. E aos 13 anos num encontro de jovens e mais especificamente num momento de adoração senti interiormente que Deus me queria para Ele… às vezes pensa-se também que para se ser freira tem que nos aparecer um Anjo ou algum acontecimento assim espetacular… não, nada disso… a vida é simples e feita de simplicidade… a partir desse momento sentia interiormente o que queria mas não deixei de viver a minha adolescência e juventude como todos os jovens da minha idade… saía à noite, tive namorados, e experiementei tudo o que tinha que experimentar sabendo que havia um limite dada a escolha de vida que me propunha seguir.


A questão familia também não foi fácil, pois não entendiam como poderia eu, cheia de vida e com todas as condições para ser aquilo que quisesse ser no mundo, queria agora ir para um convento…. Foi difícil a aceitação… mas quando nos sentimos chamadas para seguir Jesus não há nenhuma força que nos puxe para trás… mesmo que as lágrimas caiam e que a dor pareça submergir-nos… entrei para o convento com 18 anos depois de terminar o 12º ano… desde esse momento houve uma sucessão de passos… de vida cheia de alegria e também sofrimento… mas a Escolha continua a fazer sentido… e agora um sentido mais pleno… pois é como que uma realização de um desejo íntimo e secreto que sempre me habitou… ser e estar para e com os mais pobres!




2. Qual a melhor parte e a parte mais desafiadora deste caminho de entrega a uma fé?
A melhor parte? Pergunta difícil… mas posso responder sem hesitação: o OUTRO e quando falo no outro refiro-me a todos aqueles que ENCONTREI  e ENCONTRO ao longo da vida… Que deixam marcas que são indeléveis… não são susceptíveis de ser apagadas… se me perguntar o que mais me tocou durante os 8 anos que vivi em Cernache do Bonjardim digo-lhe sem ter que pensar muito, a relação humana que estabeleci com as pessoas… crianças, pais, os idosos do centro de dia e do apoio domiciliário, as funcionárias, pessoas da paróquia, pessoas indiferentemente do seu género ou confissão religiosa… há quem diga que sou uma apaixonada pelas relações humanas e é verdade… naquilo que têm de luz e sombras… a parte mais desafiadora deste caminho… é sem dúvida ver CRISTO no outro principalmente naquele “outro” que me magoa, que me maltrata, que me difama, que é obstáculo a que o BEM possa circular… esse sim é o maior desafio de uma vida… mas vem logo a resposta da fé “Cristo amou-me e entregou-se por mim…” então? Se me digo cristã, também não deverei entregar-me e sofrer por Ele e com Ele mas sem cara de sexta-feira santa… (risos)



3. Como surge a ideia de ir para Moçambique? 
Nós como religiosas não temos o pensamento nem o coração atado… não somos marionetas, nem alguém que não pensa e não reflete sobre a vida… mas há um discernimento que fazemos com as nossas superioras… num diálogo franco e aberto segundo as inclinações do nosso coração.

E o meu coração desde sempre suspirou por fazer uma experiência diferente, num país diferente… onde eu não tivesse “seguranças” materiais, afetivas, sociais, económicas… sempre desejei viver um estilo de vida mais radical, mais pobre, mais dependente… tudo coisas que vão contra a lógica do mundo… que proclama a liberdade, a autosuficiência, o exito material e social…

Aceitei dizer sim a este desafio de uns anos nas missões, não por mim mesma nem para mim mesma… mas com este desejo profundo de me gastar por amor… e quando digo gastar é mesmo GASTAR a vida dando-me, pondo-me em comum com aqueles que nada têm… e não apenas e só a uma elite de cristãos bem comportados…






4. Como é um dia típico aí?
Há duas partes… o dia na cidade, no Bairro onde vivo e temos uma Escolinha Marinete (jardim de Infância) e uma Escola até à 7ª classe como aqui se designa, obra feita com a ajuda de benfeitores e com o fundo de entre-ajuda da Congregação….

E o dia no interior (mato)… lá onde encontro tantos rostos que me fazem “gritar os olhos”.

Mas partilho o meu horário:

Levanto-me às 4h para às 4h30 estar na capela e ter um tempo de oração pessoal, onde geralmente me deixo invadir pelo silêncio e escutar através da Palavra de Deus, o que Deus quer de mim, no aqui e agora… é aí que encontro a força e a paz que me sustentam ao longo do dia. Às 5h40 rezamos Laudes (oração da manhã) em comunidade e cada uma pelas 6h10 segue para os seu trabalhos.

Por aqui ajudo naquilo que me é solicitado, mas basicamente estou disponível para acolher quem nos bate à porta a pedir ajuda alimentar ou simplesmente para ser ouvido. Acompanho neste momento cerca de 10 famílias em tudo o que isso implica, quer a nível de alimentação, saúde pois várias são portadosras de HIV e tuberculose e companho-as ao Hospital.

Estou atenta às jovens em situação de risco de familias desestruturadas….  E tento através do projecto de costura que iniciámos há pouco, capacitar estas mamãs (40) para poderem ter um ofício e organizar a sua vida.

Organizo e dinamizo um pouco o programa de apadrinhamento e faço projectos para conseguirmos melhorar o nível de vida e ensino das populações que vivem no interior (mato)…

Continuando com o horário, às 12h30 almoçamos em comunidade, somos 5 Irmãs.

E à tarde continua como de manhã cada uma nos seus trabalhos.

Voltamo-nos a reunir às 18h para a Eucaristia e oração de Vésperas e terço, a seguir o jantar… e depois… eu que costumava ser uma pessoa que trabalhava muito durante a noite… agora pelas 19h… já estou com os olhos a fechar… é assim um dia… mas nunca me deito antes das 23h pois gosto de ler e estar minimamente informada do que se passa no mundo…

No mato- Corrane que dista 60kms da cidade de Nampula, neste momento estamos a construir uma capelinha com a ajuda de uma benfeitora que me conheceu através do facebook e resolveu ajudar… e ai… a vida é mais exigente… pois não há nada ou quase nada… mesmo a água que a população bebe eu não a posso beber. Já tive uma malária que quase me levou à morte mas graças a Deus resisti…





5. De que se sente mais falta e saudades, quando se está longe de casa?
Sente-se falta muitas vezes de um abraço… de uma palavra de conforto e estímulo… sente-se falta daqueles que são nossos (família)… sente-se falta das relações de amizade verdadeiras que se consolidaram durante anos… sinto muita falta dos “meus jovens de Cernache do Bonjardim” que para mim são como “filhos”… mas aquilo que recebemos através de um sorriso ou de um abraço de uma criança minimiza tudo o resto…
6. Há momentos em que se duvida e pensa "Onde é que eu me vim meter?"
Há… há momentos de lágrimas mesmo… quando te batem à porta com fome… e não tens nada para dar… quando fazes tudo para que uma pessoa não morra percorrendo 60kms de estrada de terra batida com uma pessoa quase morta dentro do carro e devido ao mau estado da estrada e do carro não podes andar a mais de 20kms hora…. E demoras 3h a chegar ao hospital… há momentos de lágrimas quando fazes tudo por alguém e esse alguém te morre nas mãos… há momentos de lágrimas e muita dor quando não tens o que dar a quem de facto tem fome, está nu… não tem onde se abrigar… e há também quem diga e pense que o que publico nas redes sociais é para fazer publicidade a mim mesma… mas é exatamente o contrário… quando vim para Moçambique houve alguém que me disse esta frase que me acompanha diariamente: “mesmo que não possas fazer nada por este povo… pelo menos DESPERTA AS CONSCIÊNCIAS! ACORDA OS INDIFERENTES… pois estas pessoas são pessoas como nós!”
Falta-nos muita coisa… para podermos ajudar mais…





7. A ideia de um país africano, como Moçambique, onde só há meninos a precisar de ajuda é verdade mas... há mais do que apenas este estereótipo, não hã?
Sim… muito mais… há um fenómeno horrível que se chama corrupção… manipulação de interesses, desvios de dinheiro… Os fundos que deveriam chegar ao povo para que este se desenvolva a nível de educação, a nível de exploração agrícola, industrial… fica retido nos bolsos de um pequeno grupo… e não tenho medo de o dizer e escrever. Há que verbalizar as injustiças… mesmo que o preço a pagar seja a própria vida. Como Irmãs da Apresentação de Maria e segundo o carisma de Maria Rivier pocuramos ser e estar com e para os mais pobres a nível da educação, da promoção, da formação integral…
8. Falando em preconceitos e estereótipos... com o que é que as pessoas ainda se espantam, pelo facto de ser uma irmã religiosa?
Isso é uma longa história… há quem pense que é frustração amorosa… mas quando me conhecem acabam por perceber que é uma questão de AMOR… amor a uma vocação, amor a Jesus Cristo que encontramos naqueles que se cruzam no nosso caminho. Costumo dizer: É uma opção… é aqui e por aqui que vou encontrando a minha felicidade. Não sou melhor nem pior do que as outras pessoas, sou pessoa, com tudo o que está intrinseco neste ser pessoa…
9. Sejamos práticos. Para quem está a ler, como pode ajudar nesta missão de Moçambique?
Práticos? Gosto sempre de dizer: JUNTEM-SE por uma causa… ajudem uma causa… sejam solidários… Vou dar-vos um exemplo: lancei uma campanha que se chama Mochila Solidária, e uma amiga da minha terra agarrou o projecto e mobilizou toda a cidade… conseguiu 2500 kgs de material escolar, roupa, alimentação… mas está tudo parado por causa da crise económica moçambicana e dos elevados valores alfandegários… então ninguém quer trazer estes bens num contentor devido à situação económica aqui do país.
Por isso para sermos práticos, se cada pessoa der aquilo que puder economicamente, nem que seja 1 euro, aqui faz toda a diferença… se cada pessoa que está a ler esta entrevista escutar o seu coração, faça o que ele lhe disser colocando-se no lugar do outro. Com esse apoio poderemos continuar a comprar comida para quem tem fome e vem ao nosso encontro… a vossa generosidade poderá fazer toda a diferença. Não podemos salvar o mundo mas ajudar quem se cruza connosco no caminho.








10. Este blog chama-se Penso Rápido – pequenos remédios para as comichões do dia-a-dia. Que Penso Rápido usa no teu dia-a-dia?
A oração… o silêncio… não aquele exterior mas aquele interior em que a alma se refaz e ganhamos forças… e quando estou mal mesmo mal… vou ter com ELE e com “eles”, aqueles que têm rosto e são GENTE como eu… mas não tem nada e no seu nada conseguem sorrir…
 


Nota da Autora do Blog:

Hoje o meu pedido de passar a palavra, vai um pouco  mais além. Às vezes fico reticente em ajudar e apoiar certas instituições. Tenho receio que nos meandros dos corredores burocráticos, as coisas se percam. Seja 1 euro ou 100. Perguntei à Irmã Patrícia se podia ajudar com uma mochila solidária. Queria envolver os meus meninos-príncipes nesta questão. Respondeu-me que sim mas que é tão mais difícil: eu teria que pagar muito de portes de correio, ela teria que pagar mais de 40 euros, só para levantar uma simples mochila. Que a forma mais fácil seria contribuir, com o que fosse, para a conta e que esse dinheiro se reverte em comprar farinhas essenciais para a alimentação das populações. Em cima, está uma fotografia que retrata isso mesmo. Por isso, um apelo para hoje:

  • passar a palavra a quem o entender e que possa contribuir para esta causa;
  • contribuir com algo: pode ser o valor de um café, de dois, dos cafés de uma semana inteira. O que for possível e confortável a cada um. Como diz a Irmã Patrícia, 1 euro faz a diferença.
Independentemente das crenças religiosas, trata-se de Pessoas. Juntos somos Mais.


Se quer ajudar esta missão, basta fazer o donativo e enviar o comprovativo para o mail da Irmã: pm.sofia@gmail.com

Dados para Transferência 
Conta Caderneta NIB 0035 0752 00012202200 37 
IBAN PT50 0035 0752 00012202200 37 
BIC SWIFT CGDIPTPL


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