A tia Anacleta

Ai tem tanta graça. Muita graça.

Ele é viagens, férias de sonho, aulas de yoga, meditação e reiki. Alimentação verde e rosa clara, produtos hiper-ultra-biológicos. Tudo muito certo e arrumadinho. Muito zen à mistura, tudo muito certo, sim senhor.

Antigamente encomendava-se a alma ao criador indo à missa e pagando lá o que havia para pagar. Não havia sites de internet que permitissem agilizar essas facilidades. Pois não havia. Tinha que se ir presencialmente, ali, todos os santos domingos mas a coisa prometia ser certa. Ou aos sábados à tarde. Lembro-me bem quando ia com o bigode da tia Alzemira aos sábados à tarde que, "Filha, conta as mesmas vezes para quando ao domingo não é possível ir." Está tudo muito bem e bonito, sim senhor.

E então uma pessoa faz tudo certo e certinho e depois, depois é esta pouca vergonha em que nem assim as ralações nos largam? Então mas isto lá é coisa que se apresente? Quer dizer, comem-se brócolos salteados com sementes com nomes indianos e tal, bebem-se uns sumos lindos e puros de morrer capaz de fazer levantar da campa o meu pardalo Tobias Alfredo, que-Deus-Nosso-Senhor-já-o-lá-tem-faz-56-anos, faz-se isto tudo e mesmo assim é ver que a vida não é bonita, nem luminosa, nem brilhante como uma pedra da calçada de Vila-de-Pés-de-cima?

E se calhar é, deve ser, a ver com tanta fotografia bonita, de gente bonita, sempre feliz e a sorrir por aí. Isso é que eu gosto de ver. E só penso... tem graça, tem muita graça, que não tiro uma fotografia com a minha máquina de rolo há muito tempo. Talvez seja isso. Se eu tirar umas fotografias a mostrar a placa dos dentes de baixo, que pus o mês passado, quem sabe, não fico um pouco mais feliz e largo estes sumos e estas maluquices verdes que andam aí.

É isso. Talvez haja mais graça assim. 

Testemunho, gentilmente cedido, pela tia Anacleta - 87 anos e 2/3.



imagem nunodantas 

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