O meu Zé

Estava a rir. Aquele riso característico de quem sabe o caminho que quer fazer. Nas voltas e curvas, o José conseguia dar ânimo. Espanjava, a torto e a direito muita coisa boa. Havia, por ali, sempre palavras adoçadas e de incentivos. Fazia-o por profissão mas ia mais além do que isso. Estava-lhe na massa do sangue. Conheço o José, ou melhor, conheço o Zé, desde sempre. Facilmente lhe mandava sms ou telefonava. Ali repousava energia a destilar cor vibrante.

Semana passada mandei sms. Só para um café, uma bola de chocolate, ou no caso dele, uma empada e um fino. Mandei-lhe outra. E ainda outra. Nada. Liguei-lhe, uma, duas, dez vezes. Pelas 18h começo a ficar realmente alarmada e, no caminho para casa, faço um desvio e paro à porta do Lote 58. Motorizada à porta. Caixa do correio a abarrotar de publicidade. Toco algumas vezes à campainha, até que, já com o coração numa das mãos e na outra, o telemóvel  a marcar o 112 ou número que o valha, atende uma voz que não conheço. Era o Zé. Não percebo mas lá subo as escadas.

Era, e não era o Zé. A casa, bonita e sempre a destilar cores e sons vibrantes, estava cinzenta. Alias, estava tudo, muito, muito cinzento. 

O Zé olhou-me, fitou-me como só ele sabe. Mesmo estando com o ar desgastado de uma qualquer tareia (ou seriam várias?), estava ali a olhar-me, tristemente e contudo, notava-se alguma doçura lá dentro. A dele. Tão, tão dele. 

Eram já perto das 23h quando saio pela porta do prédio. 
Caramba, às vezes até para o Zé, fica tudo muito, muito cinzento. Uma chatice, uma enorme injustiça no emprego. Um amigo, ou suposto amigo, que fez o que não devia... de novo, trair a sua confiança. Um amor que dói de tanto se querer. Sonhos que ficam adiados. Seja lá o que tenha sido, seja uma, duas ou muitas coisas que deitaram o Zé naquele estado, que na verdade, deita qualquer um abaixo, pela condição humana que ainda se vai tendo, às vezes, fica apenas tudo muito, muito cinzento. Primeiro no coração, depois para os braços, as pernas, a cabeça, estende-se pelos dedos e ... sai! Sem se dar conta, contamina-se o ar em redor e quando a visão fica deturpada, torna-se difícil ver mais além. 

O meu amigo Zé, não é, de forma alguma, um Zé ninguém, é sobretudo um Zé Alguém:

  • alguém que sente por ser, tão, tão boa gente;
  • alguém que continua a querer persistir que o maior sonho que possa acalentar é o de sonhar acordado, com os pés assentes no chão, sentindo-se livre em decidir o que é o melhor para si;
  • alguém que apenas, "apenas-com-aspas", quer tanto e muito ser feliz, que o assume como um caminho e não como uma meta a alcançar. 
O meu amigo Zé-Muito-Alguém só quer ser tratado com o respeito que sabe que merece. Por isso, e depois de um longo e sentido abraço de despedida, o Zé me contava que ver gente feliz por aí era fácil. Gente que vive em castelos cor-de-rosa, com frigoríficos cheios, contas cheias, carros cheios de si, armários e dispensas cheias. Gente cheia de muita coisa. E desprovida de sentido de realidade, de sensatez. Desprovidos dos muitos sacrifícios diários dos Zés. Dizia-me então o Zé, que era tão fácil ter todos os recursos ao pé, e sorrir. Mesmo que esses tontos ou tolos, se queixem, literalmente, de barriga cheia. Não há pachorra que aguente. Estão longe, longe de imaginar, como é a vida atrás das "câmaras". 

Dizia-me então o meu Zé que, conseguir sorrir e, sobretudo, ser insanamente feliz, procurar a felicidade das entranhas, enquanto tudo à volta está muito, muito cinzento é tão ou muito difícil, quanto gratificante em si. Ser feliz, procurar a felicidade, enquanto tudo à volta se desmorona é um ato de bravura, apenas alcançado com os muitos anos e experiências. Estar feliz quando estamos deitados em areias límpidas e águas mornas, em plenas Caraíbas, em boa companhia é quase, quase obrigatório. 

Buscar felicidade no meio de cartas de contas, de portas que se fecham, telefonemas difusos e confusos. De gente que está a leste, que vive em planetas tão, tão diferentes. Isso sim. 

O olhar doce do Zé, continuava lá. Sei que amanhã de manhã, ele já vai ter um plano qualquer para pintar o cinza. Porque o Zé é dos duros e insiste, persiste e quer muito ser feliz, em qualquer cenário. Antes de sair, escrevemos os dois, numa folha que ele lá tinha, e que colamos no espelho de entrada, a seguinte frase: "O que a vida nos der, estamos preparados. É só estar seguro e ser presente!". Descobrimos aqui. E fez-nos sentido.

Amanhã o Zé, já sei que vai ter um plano. Um plano que pode não ser de trabalho, de marketing global ou estratégico-empresarial. Será um plano simples de como ser estupidamente feliz, loucamente feliz, quando tudo à volta o contraria e lhe quer fazer acreditar que o não pode ser. Porque essa, dizia-me o Zé, é o pior poder de todos, a capacidade de inverter as crenças nos outros. E essa, eu sei que o mé Zé, não vai deixar. 






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