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Tic-Tac


No outro dia soube de um relógio, chama-se Tikker que, ao usar, indica em contagem decrescente, o tempo de vida disponível de quem o usa. Certamente polémico. Uns a adorar a ideia por terem mais esta questão sobre controlo, outros a acharem um absurdo. Há quem argumente que assim se promove a consciência de cada dia. Verdade, para quem o for capaz de fazer. Para outros tantos será desgastante esta contagem decrescente de finitude.

Deste lado seria incapaz de o usar. Já me chegam os horários que temos, quanto mais um relógio a dizer que tenho de aproveitar, até ao tutano, cada dia. Sei disso mas a ideia em si, seria esgotante. Como alguém em constante estado de paixão quando, por outro lado, um tranquilo amor, a pautar os dias sabe tão bem.

Por isso o uso ou não é uma questão de atitude perante a vida (ou a morte). A reflexão dos dias e do que lhes queremos dar, o que mais valorizamos. Que importância tem uma caneca de leite derramada, por cima da camisola acabada de vestir para sairmos todos de casa? Ou uma multa, mais uma multa, num mês já de si complicado? Ou um telefonema mal amanhado de alguém de quem não se estava à espera? A lista continua… Será que um relógio consegue ajudar a relativizar o que importa, do que não?

Pessoas bem resolvidas, às vezes já em idade avançada, restringem-se ao que é realmente importante para as suas vidas. A minha avó era assim. Sem relógio a marcar-lhe o compasso. Mesmo com todas as contrariedades da vida tirava o melhor partido de cada dia, com um sorriso no olhar. É um treino diário. Vai haver dias em que se manda tudo ... às urtigas. E outros dias em que tudo parece encaixar, mesmo não batendo nada certo.

Se chegar lá perto, dou-me por satisfeita.
Sem relógio, cada vez, com menos relógio. 








Sobre arranques escolares, férias, gritos e relógios

Aquilo de que mais gosto em momentos de paragens de trabalho são as férias do ... relógio. Os relógios cá de casa são embrulhados, cuidadosamente em papel de sede, com fita de lã e colocados no fundo de uma gaveta quando se portam bem. Quando se portam mal, seguem para a Mongólia. 

Gosto de não ter que apressar os miúdos para comerem, de os deixar em pijama mais horas do que as permitidas no código parental revisto - 2ª edição, de andarem despenteados só porque sim. De haver muito menos rédea curta. 

É o relógio e os horários para os levantar ao início do dia e os conseguir deitar a horas decentes, nos dias de semana, que cá me causam comichão ao sistema. Quando não há este stress... anda-se na paz do senhor. E da senhora, que sou eu. 

No meio disto tudo começou mais um período escolar e com ele foi ressuscitado, a contragosto, o maldito relógio. Senti, por ele, uma pontada de amargura, logo no primeiro dia. Ele a trautear TIC-TAC-TIC-TAC mesmo ali nas minhas ventas. Confesso que me pareceu que o ouvi emitir um riso sarcástico, mal lhe virei as costas. De frente, não se atreve. Ainda lhe pesa na memória a última neve da Mongólia. Os miúdos até ajudam mas está claro que são ... miúdos. Por serem miúdos, esticam a corda, o elástico, o fio de nylon, até que a voz de adulto se sobrepõe (pela não-sei-quanta-vigésima-vez...) e sai em disparo demasiado alto. Sai um grito e com ele saem palavras menos bonitas de fins de dia que em dias de relógio escondido, não aparecem. Acho mesmo que quando o relógio entra de férias, essas palavras vão com ele também. 

Miudagem na cama. Aterra-se no sofá, sabendo de antemão, quem vai ganhar, mais uma vez, nestes dias frios de inverno. O sofá e a lareira, tenho a certeza que têm um caso e é nessa cumplicidade que me fazem adormecer, noite sim, noite também. Até que tal não aconteça, quando se cai no sofá, cai também aquela culpa miudinha de se saber, bem cá no fundo, que não havia necessidade de tudo aquilo, que não fosse o maldito relógio e os horários, seria bem mais simples. 

Assim naqueles minutos antes de me deixar encantar pela hipnose de sofá-lareira, apercebo-me da grandiosidade dos miúdos. Porque eles lá sabem que se gosta muito deles, e mesmo assim, mesmo havendo ralhetes, vozes que atingem altitudes dos Himalaias, e palavras mais feias, mesmo assim, são capazes de esquecer, para logo a seguir darem um abraço ou um beijo, numa rapidez de amor que desconcerta. Quero aprender com eles. A ir ao que interessa. A perdoar o geral, para ir ao particular daquela pessoa de quem gostam. Sem mas ou ses. 
Os miúdos gostam e ponto final. 
Eles são sábios, não são? 







Foto daqui.




Domingar

Chegou à cozinha. 
Olhou para o relógio.
Começou a tratar dos pequenos-almoços: ovos e torradas. Leite e Iogurtes. Fruta.
Olhou para o relógio.
Rapidamente deu um jeito à loiça que ficou a secar.
Olhou para o relógio.
Acabou de tratar dos sacos para aquele dia: lanches, o almoço dela, a pasta de papéis.
Olhou para o relógio.
Um nervoso miudinho a acompanhar aqueles ponteiros que tiquetecavam-lhe a cada passo em que tentava ganhar a corrida. Umas vezes sim, umas vezes não. 

Gostava de tudo o que fazia, só aquele relógio que não parava de lhe atormentar o raciocínio e às vezes até os afectos. 

Mas hoje não, hoje é sábado ou domingo ou feriado. Hoje ele pode andar à velocidade que queira. Até colocar duas horas, numa só. Hoje o tempo pertence-lhe e aos dela. Do que mais gosta nestes dias é a lentidão com que pode saborear os momentos. Conseguir olhar para os olhos deles e ouvi-los rir ou a queixarem-se. Pedir-lhes com infinitas paciências algo para fazer, e que já sabe que vai vir acompanhado com um lamento qualquer. Gosta particularmente de não ter que os apressar, de os deixar namorar uma folha vazia que se vai transformar em muitas cores ou ouvi-los no silêncio a viajar nos livros, ou ainda a correrem um atrás dos outros. 

Não olhar para o relógio. É esse o plano para hoje.