As amizades à séria fazem parte do movimento slow, em detrimento do fast-food, fast-relation. As amizades à séria precisam de tempo para apurar. Umas vezes esturricam e agarram-se ao fundo da panela, para logo a seguir se descobrir que importa muito o que fica à tona do tacho. São assim como alguns vinhos: quanto mais tempo passam, melhor ficam. Ou a fruta, para ser colhida madura. As amizades à séria não andam, por isso, por aí, aos tombos e caídos. Nem sempre são as que têm o ar mais fotogénico ou as que aparecem bonitas em todas as poses. São simplesmente o que são. Levam o seu tempo, tem os seus contratempos mas estão lá, porque são de verdade. Passe muito tempo ou não, mas aguentam a outra pessoa despida: sem sorrisos, sem finais felizes, sem dias cor-de-rosa. Aceitam a pessoa como inteira.
A minha amiga D é assim. Temos, em conjunto uma montanha-russa de acontecimentos que se perderam ao longo do tempo. Ora ela, ora eu. E isto já vai para tantos anos que, cronologicamente sei identificar, mais ou menos o ano em que isto começou. Emocionalmente não existe ano, tal não é o emaranhado de emoções tão boas que temos uma pela outra. Ela é verdadeiramente do caraças. Por dois motivos tão simples e tão grandes. Acontece-lhe muita coisa, não necessariamente boa. Muitas das coisas que lhe acontecem são até más, feias, injustas, numa espécie de roleta russa que se lembra de parar, muitas vezes na casa dela. Há pessoas que se queixam muito de pequenos nadas, porque têm uma verruga no dedo mindinho do pé, porque a tonalidade da pele não ficou bem na fotografia. Quando ela se queixa, há mesmo coisas sérias a acontecer e há uns anos para cá, têm sido muitas coisas. Demasiadas até.
O outro motivo do caraças tem a ver com o coração dela. Não sei se algum médico especializado na coisa já o mediu ou fez-lhe exames atentos mas o coração dela não é propriamente normal. Tem uma capacidade muito grande de dar e de amar. Digo isto sem qualquer tipo de lamechice. Ela ama verdadeiramente quem a rodeia. Ama tanto que se esquece dela muitas das vezes. E fá-lo com uma simplicidade tal, que lhe é natural. Ela é assim. Ponto.
Por estes dois motivos ela é do caraças. A roleta-russa resolveu dar mais uma paragem no número dela e já chegava porque as pessoas também têm os seus limites, certo? A impotência de se ver um amigo assim dói muito. Faz-se o que se pode: dão-se ouvidos e abraços e procura-se pensar em conjunto. Foi aí que, falando com outras duas amigas do caraças, com quem nem sempre se está ou fala, mas que, a um pedido nosso, se chegam à frente. E não se chegam à frente por nós. Chegam-se à frente por uma pessoa que nem sequer conhecem mas apenas porque lhes estamos a pedir ajuda. "Só" isso. Fazem-no com uma entrega e um carinho tal como se fosse para mim, que sou a amiga directa. Fazem-no a uma pessoa anónima, desconhecida que nem sei se algum dia vão conhecer pessoalmente. Uma delas só dizia: "Mas não estamos cá uns para os outros?"
Estamos pois. Por isso, na mesma proporção em que se vê gentinha a passear por aí, vêm-se também amigos do caraças e por esses, vale a pena acreditar, que de uma forma ou outra, no fim isto vai bater tudo certo.
D, isto vai bater tudo certo. ❤
Imagem daqui.
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