Em junho, por altura da festa surpresa da minha querida e doce mãe, foi necessário, à meia dúzia, mais meia dúzia existente, juntar mais uma dúzia de pratos. Comprar estava fora de questão e o empréstimo de pratos, feito a gente amiga, parecia ser mesmo o mais viável. Até que nos lembrámos de um serviço muito antigo, guardado com carinho no sótão e que mal foi usado, pelo avó do Pedro. Máquina de lavar com ele. Um serviço cheio de história, tão simples, tão bonito. Fez um sucesso na altura e não voltou mais para o sótão. Lá consegui guardá-lo entre os armários da cozinha e a estante dos livros da sala, numa das caixas dos brinquedos, guardado com mil cuidados, entre panos e paninhos. Foi usado neste Natal, e à história bonita da existência deste serviço pelo avó Barreto, junta-se agora, a história dos anos da minha mãe.
Ontem houve filetes para o jantar. Normalmente coloco-os num prato com guardanapo e fica despachado o assunto. Do armário, uma das travessas do serviço ficou a olhar para mim. Sorriu. Puxei de um banco da cozinha. Encavalitei-me por ali acima para resgatar aquela travessa, de loiça delicada. Sorri-lhe de volta e disse-lhe: "Porque não?" Assim, num dia normal de início de ano, houve uma travessa bonita a enfeitar a refeição, para que possa contar ainda mais histórias de gente à volta da mesa.
Já noite, com a casa em silêncio e enquanto pensava na roupa do dia seguinte, em mais uma tentativa de que as manhãs não sejam tão atabalhoadas, olhei para o lado. Um dos fios a sorrir, em jeito de desafio, tal como a travessa. Um fio com história, com uma pedra de âmbar simples, trazida da nossa viagem, há mais de uma dúzia de anos atrás. E de novo a pergunta: "Porque não?"
Temos demasiadas coisas bonitas guardadas para as ocasiões especiais. Precisamos de soltá-las mais. Abrir gavetas, por tudo a saltar cá para fora. Das coisas bonitas que fomos guardando com o tempo e das outras, as nossas, e a que se dá o nome de qualidades e competências. Soltar quem somos e libertar as nossas paixões e vontades.
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