A minha biblioteca tem gente.
Falo dela sempre com tanta
ternura, respeito e entusiasmo, que tenho quem queira conhecê-la, quando me vêm
visitar, aqui ao Portugal Rural Profundo. Porque ainda há pessoas que nos vêm assim.
Sim, vivo no interior. Com imenso orgulho. Gosto da qualidade de vida, do tempo
deste relógio que estica, da envolvência natural. Tem muito para caminhar
ainda. Todo o país tem, certo? Mas consigo ver a vantagem deste interior
profundo...em gente que quer levar o interior, mais a fundo e a sério, rodando
o mundo, em função da sua própria rota.
Quanto a esta minha biblioteca, que afinal é de toda a
gente, passo lá muitas horas, numa parceria bonita, que me deixa acolher jovens
e estar com eles semanalmente, a fazer uma das minhas paixões: mostrar que
estudar pode ser tão bom e que pode ser divertido (na maior parte do tempo!).
Por isso esta minha biblioteca é um edifício vivo. Tem
alma. Tem gente lá dentro, que gosta do que faz. Que respeita a sabedoria dos livros,
a oferece, diariamente a quem queira partilhar essa paixão imensa que é
mergulhar nas prateleiras de páginas de fantasia, das muitas histórias, dos
policiais, da culinária, da bricolage...
A Ana Sofia é o rosto de uma
equipa de trabalho que põe de pé uma diversidade de atividades tão grande que
às vezes transcende o próprio ser apenas de biblioteca.
Já conhecia a Ana antes.
Cruzámo-nos nos casamentos uma da outra. Se parece recatada ao início, o que é
certo é que, tocando nesta sua paixão pela leitura, os seus olhos não param,
enquanto descreve as últimas novidades de livros, das muitas atividades e
dinâmicas deste espaço e desta iniciativa fabulosa que é a Maratona da Leitura.
Serão 24 horas a ler. De
atividades. De música. De celebração da palavra, das histórias contadas. Um concelho inteiro, acordado para chegar ao
fim desta missão. Deste desafio. Com todas as liberdades criativas permitidas a
quem quer embarcar nesta viagem.
Este ano vou ler também, pela
primeira vez. E o meu mais velho, vai-me fazer companhia. Tão bom :)
Entrevista Ana Sofia
Idade: 36 anos
Naturalidade: S. João (Abrantes)
Comidas preferidas: maranhos da
Sertã (tanto, tanto!), cogumelos (de todas as maneiras) e bacalhau (cozido,
frito, guisado, assado, … das 1001 formas possíveis e mais alguma).
Um livro a não perder: Muito
difícil de indicar apenas um. Mas destaco A
desumanização, de Valter Hugo Mãe.
Se pudesses convidar alguém famoso (vivo ou morto) para jantar, quem
escolherias e porqué?
O dinamarquês e
autor da exposição Tudo Dança, de Hans
Christian Andersen, o Sr. Niels Fischer. Tenho tantas saudades dele!
Ensinou-me a ver outra vez a beleza, a beleza da vida. O homem mais fascinante
que conheci, que deu a Portugal tudo o que tinha através de uma iniciativa tão
nobre. Acredito que foi das pessoas que mais deu à cultura portuguesa.
1.
A
ideia de uma bibliotecária, com roupas cinzentas, óculos na ponta do nariz e enfiada
a organizar prateleiras de livros, cheios de pó, se é que alguma vez existiu,
está ultrapassada. O que é que mudou?
A prática bibliotecária, desde os
primórdios, foi necessária tendo em conta a importância em organizar e
preservar os documentos produzidos pela sociedade. Até há bem pouco tempo, o
bibliotecário (quase sempre do sexo feminino) realizava quase exclusivamente
aquelas tarefas.
Atualmente, a massificação das novas
tecnologias (TIC) trouxe novos desafios aos profissionais da informação e
documentação, esperando-se a sua participação noutros ambientes além das
bibliotecas físicas, podendo e devendo atuar na oferta de produtos e serviços
digitais.
Antes, o bibliotecário era “avaliado”
pela forma como organizava, geria e desenvolvia coleções. Hoje, a sua função
deve estar centrada no desenvolvimento da comunidade. Um conceito novo, ainda
pouco referido em Portugal, mas que é, em minha opinião, o futuro das
bibliotecas públicas, no qual os profissionais da informação devem estar
empenhados.
2.
Como
nasceu esta paixão pelas bibliotecas?
Por acaso. Desde
sempre convivi com livros, mas nunca tive a oportunidade de frequentar
bibliotecas com regularidade. Não deixava, no entanto, de marcar presença
assídua na Biblioteca Itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian, sempre que ia
a Cardigos, a minha terra.
Agradeço
profundamente à Sr.ª Irene Barata (anterior Presidente da Câmara Municipal de
Vila de Rei), o desafio que me colocou em 2003; abraçar o projeto da instalação
de uma Biblioteca Municipal da Rede Pública, em Vila de Rei. Claro que disse
que sim. E desde então, apaixonei-me profundamente pelo meu trabalho. Dá-me um
prazer imenso!
Devo ainda
referir o meu professor de Pós-Graduação, Diogo Gaspar (Diretor do Museu da
Presidência da República), que durante as suas aulas nos transmitiu ideias
concretas tão importantes. Devo também a ele o dinamismo e a euforia em criar novas
oportunidades em cada projeto. Lembro-me muitas vezes do entusiasmo que me
contagiou.
3.
Lembras-te
do primeiro livro que te marcou?
Sim. Longe de
tudo o que leio agora. Foi O Mundo de
Sofia, de Jostein Gaarder (thriller filosófico).
4.
Que
tipo de livro é que não consegues ler, de forma alguma?
Livros “cor-de-rosa”.
Aborrecem-me profundamente. Li um, há muito tempo, e não voltarei a ler outro!
5.
As
pessoas referem, na generalidade, que têm pouco ou nenhum tempo para ler. Há
sempre tempo para ler?
Eu acho que
nunca se leu tanto como hoje. Estamos na sociedade da informação e lemos a toda
a hora e momento! Além disso, existem recursos que não existiam noutros tempos, como
as bibliotecas, que permitem que qualquer pessoa tenha a possibilidade, em todo
o país, de aceder a livros como antes não era possível. A minha mãe sempre diz
que gostava muito de ler, mas que não tinha a possibilidade de adquirir livros
e não tinha como os conseguir de outro modo. Lia várias vezes o mesmo livro,
refere! Também nunca antes se registou tamanha produção literária. Se não estou
em erro, todos os dias em Portugal vinte novos livros são colocados nas bancas.
Por tudo isto, acho que nunca se leu tanto! A qualidade do que se lê é que pode
estar em causa.
6.
Há 50
anos atrás, a taxa de analfabetismo era assustadora. Hoje, felizmente, está a
trabalhar-se nela mas existem muitas outras “distrações”: televisão, tablets,
internet, telemóvel... Ainda há espaço para o livro? O que o torna diferente?
No seguimento do
que disse antes, lemos o dia todo. E principalmente porque estamos dependentes
das TIC. Feliz e infelizmente, não podemos separar-nos delas. E elas
colocam-nos a ler constantemente.
Sim, acredito
que os mais recentes suportes tecnológicos, como os smartphones, nos deixam
menos tempo para ler um livro. Por exemplo, as pessoas, que muitas vezes
nutriam o hábito por ler antes de dormir, hoje fazem-se acompanhar do seu
smartphone até ao leito. Deixaram de pegar num livro e aproveitam por terminar
um trabalho que deixaram a meio, dão um salto até à Internet ou viajam pelas
redes sociais.
Acho que nos
roubam muito tempo. Não só à leitura, mas também à beleza de viver com os que
estão ao nosso lado e passam por nós!
7.
A
equipa de trabalho é fundamental para manter esta biblioteca tão ativa. Qual é
o vosso segredo?
Não ter receio
de nada. Achamos sempre que conseguimos fazer o que nos surge como interessante
e útil para alguém. Mesmo que algum elemento da equipe não acredite numa ideia,
acaba por “embalar” e colaborar. É bom trabalhar com pessoas que não têm medo
de fazer nada, muito menos de falhar!
Nota: Encerramento da Maratona da Leitura em 2015.
8.
Vem
aí mais uma Maratona da Leitura, única no país. Como surgiu esta ideia?
Sempre acreditei
que, para promover a leitura, neste caso, a leitura em voz alta, era necessário
pensar numa iniciativa que marcasse também pela originalidade. O meu professor
Diogo Gaspar dizia-nos isto vezes sem conta.
Um dia, numa
reunião habitual de trabalho com a equipa da biblioteca, lancei a ideia. Ainda
me lembro da expressão do rosto de algumas das minhas colegas! Eu acho
sinceramente que pensaram que eu não estava a falar a sério. O certo é que,
como disse há pouco, alguém acreditou comigo e a seguir todas acreditámos. E
foi fantástico! Com altos e baixos conseguimos concretizar e dignificar a maior
Maratona de Leitura de Portugal.
Ainda assim, e
apesar de sempre termos conseguido alcançar o grande objetivo desta iniciativa,
tenho pena de sentir que apenas uma pequena franja da comunidade participa e assiste.
A cultura é uma área tantas vezes gratuita, como neste caso, mas que regista
imensas dificuldades em atrair o interesse das pessoas. É incrível! Faz-me
confusão!
9.
Para
quem ainda não está convencido, que apelo fazes aos indecisos para que
participem neste gigantesco evento, a 2 e 3 de julho?
Participar na
Maratona da Leitura 24 Horas a Ler é festejar a leitura. Uma prática tão
importante para a saúde da sociedade. Ler permite-nos ser pessoas melhores e
contribuir para uma sociedade consciente, informada, crítica e, claro, melhor.
Ler em voz alta é uma arte. É de muito maior eficácia e durabilidade aprender
ouvindo. Ler em voz alta aumenta a confiança individual, suprime a timidez e desinibe-nos
para falar em público. Além de tudo, ler em voz alta é bom, sabe bem e é quase
sempre divertido! Por tudo isto, apelo à participação na Maratona de Leitura 24
Horas a Ler. Além do ato de ler e de ouvir ler, todas as pessoas são convidadas
a tomar parte de um conjunto de atividades paralelas, onde estarão presentes
grandes nomes da cultura de Portugal. Destaco a presença de Valter Hugo Mãe, Pedro Mexia, Paulo Borges, Miguel Real e do radialista
Fernando Alves.
Alguns dos intervenientes na maratona deste ano, elementos da equipa de trabalho da Biblioteca, a senhora Vereadora da Educação e o Presidente da Câmara da Sertã.
10.
Este
blog chama-se Penso Rápido – pequenos remédios para as comichões do dia-a-dia.
Que Penso Rápido usas no teu dia-a-dia?
Quando estou
agitada ou abatida com alguma circunstância, sempre que posso, paro para ler.
Se for em voz alta, mesmo sem público, resulta ainda melhor!