Vamos cuscar? 9#

A minha biblioteca tem gente.
Falo dela sempre com tanta ternura, respeito e entusiasmo, que tenho quem queira conhecê-la, quando me vêm visitar, aqui ao Portugal Rural Profundo. Porque ainda há pessoas que nos vêm assim.

Sim, vivo no interior. Com imenso orgulho. Gosto da qualidade de vida, do tempo deste relógio que estica, da envolvência natural. Tem muito para caminhar ainda. Todo o país tem, certo? Mas consigo ver a vantagem deste interior profundo...em gente que quer levar o interior, mais a fundo e a sério, rodando o mundo, em função da sua própria rota.
Quanto a esta minha biblioteca, que afinal é de toda a gente, passo lá muitas horas, numa parceria bonita, que me deixa acolher jovens e estar com eles semanalmente, a fazer uma das minhas paixões: mostrar que estudar pode ser tão bom e que pode ser divertido (na maior parte do tempo!).
Por isso esta minha biblioteca é um edifício vivo. Tem alma. Tem gente lá dentro, que gosta do que faz. Que respeita a sabedoria dos livros, a oferece, diariamente a quem queira partilhar essa paixão imensa que é mergulhar nas prateleiras de páginas de fantasia, das muitas histórias, dos policiais, da culinária, da bricolage...
A Ana Sofia é o rosto de uma equipa de trabalho que põe de pé uma diversidade de atividades tão grande que às vezes transcende o próprio ser apenas de biblioteca.
Já conhecia a Ana antes. Cruzámo-nos nos casamentos uma da outra. Se parece recatada ao início, o que é certo é que, tocando nesta sua paixão pela leitura, os seus olhos não param, enquanto descreve as últimas novidades de livros, das muitas atividades e dinâmicas deste espaço e desta iniciativa fabulosa que é a Maratona da Leitura.
Serão 24 horas a ler. De atividades. De música. De celebração da palavra, das histórias contadas.  Um concelho inteiro, acordado para chegar ao fim desta missão. Deste desafio. Com todas as liberdades criativas permitidas a quem quer embarcar nesta viagem.
Este ano vou ler também, pela primeira vez. E o meu mais velho, vai-me fazer companhia. Tão bom :)






Entrevista Ana Sofia
Idade: 36 anos
Naturalidade: S. João (Abrantes)
Comidas preferidas: maranhos da Sertã (tanto, tanto!), cogumelos (de todas as maneiras) e bacalhau (cozido, frito, guisado, assado, … das 1001 formas possíveis e mais alguma).
Um livro a não perder: Muito difícil de indicar apenas um. Mas destaco A desumanização, de Valter Hugo Mãe.



Se pudesses convidar alguém famoso (vivo ou morto) para jantar, quem escolherias e porqué?
O dinamarquês e autor da exposição Tudo Dança, de Hans Christian Andersen, o Sr. Niels Fischer. Tenho tantas saudades dele! Ensinou-me a ver outra vez a beleza, a beleza da vida. O homem mais fascinante que conheci, que deu a Portugal tudo o que tinha através de uma iniciativa tão nobre. Acredito que foi das pessoas que mais deu à cultura portuguesa.

1.       A ideia de uma bibliotecária, com roupas cinzentas, óculos na ponta do nariz e enfiada a organizar prateleiras de livros, cheios de pó, se é que alguma vez existiu, está ultrapassada. O que é que mudou?
A prática bibliotecária, desde os primórdios, foi necessária tendo em conta a importância em organizar e preservar os documentos produzidos pela sociedade. Até há bem pouco tempo, o bibliotecário (quase sempre do sexo feminino) realizava quase exclusivamente aquelas tarefas.
Atualmente, a massificação das novas tecnologias (TIC) trouxe novos desafios aos profissionais da informação e documentação, esperando-se a sua participação noutros ambientes além das bibliotecas físicas, podendo e devendo atuar na oferta de produtos e serviços digitais.
Antes, o bibliotecário era “avaliado” pela forma como organizava, geria e desenvolvia coleções. Hoje, a sua função deve estar centrada no desenvolvimento da comunidade. Um conceito novo, ainda pouco referido em Portugal, mas que é, em minha opinião, o futuro das bibliotecas públicas, no qual os profissionais da informação devem estar empenhados.

2.       Como nasceu esta paixão pelas bibliotecas?
Por acaso. Desde sempre convivi com livros, mas nunca tive a oportunidade de frequentar bibliotecas com regularidade. Não deixava, no entanto, de marcar presença assídua na Biblioteca Itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian, sempre que ia a Cardigos, a minha terra.
Agradeço profundamente à Sr.ª Irene Barata (anterior Presidente da Câmara Municipal de Vila de Rei), o desafio que me colocou em 2003; abraçar o projeto da instalação de uma Biblioteca Municipal da Rede Pública, em Vila de Rei. Claro que disse que sim. E desde então, apaixonei-me profundamente pelo meu trabalho. Dá-me um prazer imenso!
Devo ainda referir o meu professor de Pós-Graduação, Diogo Gaspar (Diretor do Museu da Presidência da República), que durante as suas aulas nos transmitiu ideias concretas tão importantes. Devo também a ele o dinamismo e a euforia em criar novas oportunidades em cada projeto. Lembro-me muitas vezes do entusiasmo que me contagiou.

3.       Lembras-te do primeiro livro que te marcou?
Sim. Longe de tudo o que leio agora. Foi O Mundo de Sofia, de Jostein Gaarder (thriller filosófico).



4.       Que tipo de livro é que não consegues ler, de forma alguma?
Livros “cor-de-rosa”. Aborrecem-me profundamente. Li um, há muito tempo, e não voltarei a ler outro!

5.       As pessoas referem, na generalidade, que têm pouco ou nenhum tempo para ler. Há sempre tempo para ler?
Eu acho que nunca se leu tanto como hoje. Estamos na sociedade da informação e lemos a toda a hora e momento! Além disso, existem recursos que não existiam noutros tempos, como as bibliotecas, que permitem que qualquer pessoa tenha a possibilidade, em todo o país, de aceder a livros como antes não era possível. A minha mãe sempre diz que gostava muito de ler, mas que não tinha a possibilidade de adquirir livros e não tinha como os conseguir de outro modo. Lia várias vezes o mesmo livro, refere! Também nunca antes se registou tamanha produção literária. Se não estou em erro, todos os dias em Portugal vinte novos livros são colocados nas bancas. Por tudo isto, acho que nunca se leu tanto! A qualidade do que se lê é que pode estar em causa.

6.       Há 50 anos atrás, a taxa de analfabetismo era assustadora. Hoje, felizmente, está a trabalhar-se nela mas existem muitas outras “distrações”: televisão, tablets, internet, telemóvel... Ainda há espaço para o livro? O que o torna diferente?
No seguimento do que disse antes, lemos o dia todo. E principalmente porque estamos dependentes das TIC. Feliz e infelizmente, não podemos separar-nos delas. E elas colocam-nos a ler constantemente.
Sim, acredito que os mais recentes suportes tecnológicos, como os smartphones, nos deixam menos tempo para ler um livro. Por exemplo, as pessoas, que muitas vezes nutriam o hábito por ler antes de dormir, hoje fazem-se acompanhar do seu smartphone até ao leito. Deixaram de pegar num livro e aproveitam por terminar um trabalho que deixaram a meio, dão um salto até à Internet ou viajam pelas redes sociais.
Acho que nos roubam muito tempo. Não só à leitura, mas também à beleza de viver com os que estão ao nosso lado e passam por nós!

7.       A equipa de trabalho é fundamental para manter esta biblioteca tão ativa. Qual é o vosso segredo?
Não ter receio de nada. Achamos sempre que conseguimos fazer o que nos surge como interessante e útil para alguém. Mesmo que algum elemento da equipe não acredite numa ideia, acaba por “embalar” e colaborar. É bom trabalhar com pessoas que não têm medo de fazer nada, muito menos de falhar!

Nota: Encerramento da Maratona da Leitura em 2015.

8.       Vem aí mais uma Maratona da Leitura, única no país. Como surgiu esta ideia?
Sempre acreditei que, para promover a leitura, neste caso, a leitura em voz alta, era necessário pensar numa iniciativa que marcasse também pela originalidade. O meu professor Diogo Gaspar dizia-nos isto vezes sem conta.
Um dia, numa reunião habitual de trabalho com a equipa da biblioteca, lancei a ideia. Ainda me lembro da expressão do rosto de algumas das minhas colegas! Eu acho sinceramente que pensaram que eu não estava a falar a sério. O certo é que, como disse há pouco, alguém acreditou comigo e a seguir todas acreditámos. E foi fantástico! Com altos e baixos conseguimos concretizar e dignificar a maior Maratona de Leitura de Portugal.
Ainda assim, e apesar de sempre termos conseguido alcançar o grande objetivo desta iniciativa, tenho pena de sentir que apenas uma pequena franja da comunidade participa e assiste. A cultura é uma área tantas vezes gratuita, como neste caso, mas que regista imensas dificuldades em atrair o interesse das pessoas. É incrível! Faz-me confusão!



9.       Para quem ainda não está convencido, que apelo fazes aos indecisos para que participem neste gigantesco evento, a 2 e 3 de julho?
Participar na Maratona da Leitura 24 Horas a Ler é festejar a leitura. Uma prática tão importante para a saúde da sociedade. Ler permite-nos ser pessoas melhores e contribuir para uma sociedade consciente, informada, crítica e, claro, melhor. Ler em voz alta é uma arte. É de muito maior eficácia e durabilidade aprender ouvindo. Ler em voz alta aumenta a confiança individual, suprime a timidez e desinibe-nos para falar em público. Além de tudo, ler em voz alta é bom, sabe bem e é quase sempre divertido! Por tudo isto, apelo à participação na Maratona de Leitura 24 Horas a Ler. Além do ato de ler e de ouvir ler, todas as pessoas são convidadas a tomar parte de um conjunto de atividades paralelas, onde estarão presentes grandes nomes da cultura de Portugal. Destaco a presença de Valter Hugo Mãe, Pedro Mexia, Paulo Borges, Miguel Real e do radialista Fernando Alves.

Alguns dos intervenientes na maratona deste ano, elementos da equipa de trabalho da Biblioteca, a senhora Vereadora da Educação e o Presidente da Câmara da Sertã.

10.   Este blog chama-se Penso Rápido – pequenos remédios para as comichões do dia-a-dia. Que Penso Rápido usas no teu dia-a-dia?

Quando estou agitada ou abatida com alguma circunstância, sempre que posso, paro para ler. Se for em voz alta, mesmo sem público, resulta ainda melhor!

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