A Raquel, abriu a gaveta. A da cómoda do lado esquerdo. Uma fila muito direitinha, organizada por cores. Lá para trás espreitavam rendas. À frente umas simples, só de uma cor. No meio, umas atrevidas que pouco tapavam mas que anteviam finais felizes, em função dos actores do momento.
Naquele dia, secou o cabelo rapidamente, ainda enrolada no roupão quente, que os fins de dia estavam muito, muito frios. Olhou-se ao espelho, uma ou outra ruga teimosa mas de resto, tudo mais ou menos no sítio.
Escolhe a roupa, enquanto bebe o seu chá quente de sempre, com um pouco de leite. Para alguns uma mistela, para ela, uma reconforto quente de começar os dias. Tão bom!
E abre a gaveta. A mão, bem treinada, segura as da fila da frente. É 4ª, um dia cheio fora de casa. As da frente, as do conforto. Mas, de repente, fica parada a olhar. E porque não?
Uma mão atónita, vê-se obrigada a procurar bem mais atrás da gaveta e ir buscar lá ao fundo, umas bonitas, pretas, com um pouco de renda, suaves, com toque de seda. As cuecas de festa. E porque não? As cuecas de festa são para aqueles dias em que tudo tem de estar a condizer: os humores, as roupas, o espírito, e o que vai por dentro, onde ninguém chega, a não ser que a Raquel deixe. Hoje chegam-lhe a ela.
Observa-se de novo ao espelho. Porque não usar aquelas? Que são de festa? Não serão todos os dias, dias de festa, de celebração? Quer lá bem saber que vá ou não encontrar-se com o Luís, o Vasco ou o Rodrigo. A festa é dela e pertence-lhe todos os dias. Haja cuecas de festa todos os dias, porque todos os dias deve haver festa. Por nós, principalmente, por nós.
P.S.: O namorado da Raquel pensou o mesmo e eis o momento em que vestiu também ele, as suas cuecas de festa.