Dia 5 - Mais lupa, por favor.

 Uma lupa, uma simples lupa e fica resolvido.

Traz-lhe uma torrada. À vista desarmada é apenas um pedaço de pão. Com uma lupa vê o cuidado com que o cortou, colocou uma dose exagerada de manteiga, que já sabe que vai reclamar mas que gosta. Com uma lupa vê ao pormenor o sorriso rasgado que faz, quando lha traz, cheio de orgulho e carinho.


"Olha aqui, fiz-te um bilhete!" Um quadrado de papel com um esboço de desenho. À lupa sabe o amor e a dedicação que ali está, a surpresa que faz questão em fazer, de chegar de mansinho, num sussurro e entregar-lhe à socapa, aquele pedaço de cor.


Abraça-a enquanto faz o jantar e pergunta-lhe como correu o trabalho. Vira-se e diz que gosta muito dela. Tem mais 20 escandalosos cm, que se atreveu a crescer nos últimos dois anos. À lupa sente o carinho, o conforto, daquele abraço agora maior do que ela, em papéis invertidos de um corpo em mudança. 

Passar os dias à lupa, faz-nos encontrar momentos valiosos, instantes gigantes, demasiado preciosos para os deixarmos escapar, no barulho dos dias. Treinar o olhar. É disso que se trata. Olhar para lá do que aparece.

Mais lupa, por favor. 

P.S.: Sou-vos grata J.M.J.




Imagem daqui.

Dia 4 - A escolha do Verbo Certo

Chegou a casa.

Uma lista indecente de tarefas para fazer, dançava na sua cabeça. E a essa juntou-se outra, e mais outra.

Fez a única coisa sã para as resolver: sentou-se no sofá, ligou a televisão e aninhou-se. Aninhou-se na constipação, no cansaço de noites mal dormidas, nas várias solicitações que só dependiam de Si. Aninhou-se na manta e desligou-se das listas, dos afazeres. 

Pegou no chávena de chá e por ali ficou, a meio de uma semana de listas-por-fazer. Perdeu-se um pouco no tempo e no aninhar. 

Abraçou-se pela aprendizagem, de muitos dias (anos...) de não o fazer, de se permitir parar um pouco, restabelecer forças num ano que lhe tem sabido a travão, pelo ritmo desacelarado a que o corpo a tem obrigado. O corpo dá sinais, que nem sempre a mente quer ouvir. Um coração que vai aprendendo a cuidar, de um e do outro. 

Restabelecidos níveis de aninhanço, levantou-se e uma por uma, foi dando conta de algumas dessas listas. Apenas as mais importantes. No fim dessas prioridades, fez-Se prioridade e acarinhou, o verbo aconchegar. 

A importância de se escolherem os verbos certos para os nossos dias. 







Pequenas coisas

Dia 3


Um Bom Dia com Sorriso.

Um café naquele sítio em particular.

Perguntarem, com olhar sincero: Como estás?

Uma mensagem a dizer: Gosto de Ti.

Parar. Respirar. Olhar no Horizonte. Voltar a Inspirar. Expirar. 

Um abraço. As vezes que um abraço salva.


Serão sempre as pequenas coisas, os pormenores, que dão vida, cor e luz, aos nossos dias. 

Por mais pequenas coisas. Por mais momentos que se derretem na boca, deixando a recordação imprensa na memória de sempre. 

Lembras-te de quando ...? Sim, lembro. E quero lembrar-me muito mais.



Imagem daqui.

Patetices

Dia 2

A sair do carro. 

Vou ainda a tempo de lançar-lhe um grito: " Força Joãoooooooooooo!". Finge não se rir e procura manter a compostura, que estas idades impõem, de se mostrarem sérios perante a mãe. 

Um pouco mais à frente, sai ela. (ainda) Deixa dar um beijo fugidio e já do outro lado do passeio, lanço: "Força Mariaaaaaaaaaaaaaaa!". Aqui mais envergonhada, vejo no olhar aqueles instantes de pânico que revelam que espera que ninguém tenha ouvido. E lá segue. 

Eu tiro a minha mala do carro e sigo para o trabalho. Vou a sorrir com o prazer de dever maternal cumprido e venho a pensar nesta coisa de se embaraçar os filhos em praça pública. Para quê? Para nada em especial. Apenas para ficar registado mais este polaroid emocional, este instante de parvoíce inofensiva com o propósito de lhes arrancar um sorriso e esta memória inconsciente deste amor de mãe grande que lhes tenho, que dá vontade de libertar, de viva voz. 

Patetices. Que sabem bem.


Imagem daqui.

Sobre perdas

Dia 1


Levantou-se um dia e olhou-se ao espelho.

Viu-se. Viu-se para lá do espelho.

Encontrou um sinal aqui e acolá de um calendário que acordou, repentinamente, muito mais à frente do que estava a contar. As folhas dos dias foram passando e assim num tropeço, encontrava-se ali à frente de Si própria, num outro estado de Si. 

Não necessariamente melhor ou pior. Era apenas uma outra pele, que foi crescendo, que se estava a colar, milímetro após milímetro transformando-a e transformando-se em cada dia. 

O crescimento leva tempo. Às vezes dói um pouco. Mistura-se com novas descobertas. Acompanha-se de pequenas mortes, umas mais visíveis que outras. E pequenos nascimentos, do Novo que quer descobrir-se. Implica ir para lá do que se está a perder, e reinventar-se no que ainda quer Ser, Sentir, Pensar. 

Dizer Adeus custa sempre um pouco. A Ela, as despedidas tinham o sabor de alguma nostalgia, das certezas, das verdades, das conquistas alcançadas e que, agora eram convidadas a ficarem mais ou menos arrumadas, em caixas e gavetas. De volta e meia vai lá voltar. Já se conhece e vai ter vontade de sentir o sabor a saudade. Não por muito tempo, para não perder tempo com o que ainda há de vir. 

Descobrir-se em novos ciclos leva o seu tempo. Esticar-se em quem se é, em quem se quer ser. Acarinhar-se nessa descoberta de aceitação e de amor. 

As perdas são entregas de Amor, sobre um Futuro que ainda está para crescer. E acreditar que vai haver novos Futuros, é só por si, um acto de rebeldia, de coragem e uma audácia que se quer permitir a Viver, cada vez mais, a cada novo dia. 



Imagem daqui


Sobre Não Saber

"Olha, de novo para os livros.

Uns dizem que é importante ir pela esquerda. Outros, que a verdade absoluta está no cimo daquela nova conquista. 

A seguir ouve, pessoas cheias de certezas, a dizerem que a receita infalível, para saber por onde seguir, é aquela.

Desliga tudo, arruma os livros na estante empoeirada, senta-se no silêncio. 

Sabe que não sabe. E sabe também, que há muito tempo, que se força a saber. Essa insistência de dar passos e mais passos, a fazer caminho. 

Ajeita-se nesse sentar, que é diferente de há um ano, dos últimos meses. 

Fecha os olhos. Respira. Está desconfortável nesse Não-Saber. Então retoma a postura e fica apenas ali. Até que o desconforto, faça parte e se torne confortável.

O tempo vai fintando e sussurra que já chega. Ela diz que não. Que precisa de Não-Saber. 

Que mal tem, Não-saber? Qual o problema de ficar a observar, de se permitir dar-se tempo para ouvir, respirar, sentir-se? Tudo em si, diz para abrandar, reformular verdades. Mais uma vez. É sempre mais uma vez, reformular, a partir do questionamento da direção a tomar. 

Por agora, não toma direções, nem sentidos. 

Por agora, quer apenas ficar por ali a Não-Saber."


O Não-Saber é marinar. É ter a confiança de saber que está tudo lá o que é preciso e confiar, que na altura certa, o Norte surge. Não por magia (ou talvez um pouco...) mas por se me permitir viver, e acolher, a incerteza do Não-Saber. 


"A seu tempo. A seu tempo. O caminho vai-se mostrando à medida que se vai fazendo. E nem sempre o caminho é feito de caminhar. Às vezes, o melhor que se pode fazer, é ficar nesse sossego, nessa quietude que é aceitar a mudança, nem sempre percetível, nem sempre ruidosa."



Para silenciar

 

Pertencemos a uma época de muito ruído. 

O que se vê, o que se ouve, o que parece que é. 

E mesmo parecendo que é um momento ou um rasgo de descompressão e puro lazer, quando damos por nós, estamos a fazer mil e umas considerações sobre o: "Vou só espreitar por 2 minutos e ver o que se passa no mundo...". O tempo voa, desaparece entre páginas e as internetes da vida. 

Mil e uma vozes vão despertando dentro de nós e aquilo que era para ser um momento de alivio, torna-se numa data de vozes cá por dentro: "Tenho de mudar a cozinha! Deveria de tratar dos ténis novos. E se começasse a fazer judo? Acho que vou começar a comer lentilhas ao pequeno almoço..." 

O poder do nosso dedo, está em silenciar. 

Carregar nos muitos botões que temos disponíveis e desligar. Desligar por fora, silenciar por dentro e deixar sair apenas uma voz, um sentido, o nosso sentido, a nossa voz. 

Um dedo, e tudo muda. 

Para silenciar.