Uma maratona de anos

Sem saber bem como, cheguei aos 42.
Aliás sei. Um caminho de reviravoltas, de persistência, de retrocessos e na mesma vontade de seguir para a frente, com (algumas) paragens pela caminho, só para ganhar fôlego e para me demorar nos abraços e nos colos por quem tenho, a mais profunda gratidão, de me ter cruzado no caminho. 

Este ano foi o ano com menos festejos, menos fogo-de-artifício. Foi parar para sentir e focar nas verdades destes 42. Houve uma mochila feita em menos de um piscar de olhos para calar estômagos famintos. Houve o silêncio do verde ao nosso redor. Vários mergulhos em águas de verão, mesmo já sendo outono. Abraços de ternura. A cumplicidade do final de tarde e uma viagem de regresso para saborearmos o vento, ainda quente, destes dias. Houve um cantar de parabéns improvisado, primeiro no carro Mãe, ainda não te cantámos os Parabéns! Mas tu não podes cantar, ouviste? e depois, já no fim do dia, com um bolo meio tosco mas tão cheio de intenções de verdade, de quem quis estar presente e por isso fez muitos km, de uma estrada já maior que a de uma maratona. ❤ Foi um dia da verdade, para comigo e para com os meus. 

Do pouco que estou a aprender com a corrida é que é preciso escutar o corpo, resistir-lhe aos queixumes e dar, literalmente, uma passada de cada vez. Do pouco que tenho certezas desta maratona de vida é que é preciso ir ouvindo o coração e tanto quanto possível, respeitar-lhe as vontades, numa batida de cada vez. Foi um dia tão sem nadas a destacar mas na (minha) verdade, esteve lá tudo o que era para estar. 






Há vozes

No outro dia, falava-se nas redes sociais, sobre gostar ou não das chamadas telefónicas e da preferência pelo envio de sms. Deste lado, a preferência recai em 98,9 % das vezes pelo registo escrito por ser menos invasivo, por deixar espaço, deste e do outro lado, por ser tão mais prático.

Depois há vozes.

Há vozes que nos transportam para um abraço grande, para saudades, para lugares onde já fomos e somos felizes, que acolhem e aconchegam e às quais sou grata pelas muitas partilhas que fazemos. Umas vezes em silêncio, outras assim, só para contar mais uma (des)aventura. Sabemos que estamos lá, quando tanto na partilha, como no silêncio, a intensidade  da emoção se faz valer, pela profundidade, verdade e pelo amor imenso. 

Às vezes, os meus meninos perguntam-me sobre a história, desta ou doutra pessoa, que notam que me faz brilhar e ser melhor ser humano. Essas pessoas-vozes digo-lhes que as conheço desde sempre, que há uma história física em que as nossas caras se cruzaram mas que o sentimento existe desde o infinito. E essas verdadeiras amizades de tal maneira já foram postas à prova, ao longo dos tempos, nas voltas e piruetas dos dias, que estas pessoas sempre por aqui moraram, numa relação tempo-espaço que não existe e que, por isso mesmo, nem Einstein saberia explicar.

Há vozes e há pessoas que nos transportam para esses lugares infinitos e isso é dar voz a quem e ao que importa cá dentro.

(P.S.:Tal como esta fotografia, tirada há semanas, no meio de uma cidade.)



Parte II: SuperMãe vs SuperHumana

Num dos livros deste verão que andei a ler, relatava as maravilhas do nosso cérebro e que, ao contrário do que tanto para aí se diz, sim senhor que ele vai atrofiando com a idade mas também ganha em flexibilidade e capacidade de se reinventar. Perdem-se capacidades mas são compensadas por outras DESDE QUE se continue a exercitar este "músculo". A certa altura lê-se que, por exemplo, fazer listas de supermercado, não abona muito a favor das nossas competências de memorização. E aí parou tudo. COMO DEIXAR DE FAZER LISTAS? Seja as de supermercado ou outras. Para que muita da engrenagem funcione bem, há listas a nascer da mala, em cima da mesa ou na porta do frigorífico. Toda uma indústria de post-it coloridos, às riscas e pintas montado, já para não falar de apps que ajudam (será que afinal não??) a que nada fique por mãos alheias, para se conseguir fazer tudo. 

E é aqui é que está a questão. Isto de se ter que fazer tudo, com graciosidade, de preferência com o ar radioso e engomado de quem está sempre a acabar de sair de uma sessão de massagem; que nunca em tempo algum se esquece de comprar só mais aquele material imprescindível que é a caneta de azul turquesa, com purpurinas florescentes ao pôr-do-sol, a tocar As quatro estações de Vivaldi, enquanto larga uma fragrância de brisa do mar; ou então acabou de costurar o fato de Carnaval alusivo ao tema do Homem Pré-Histórico a viver em Marte;  e sabe ainda a tabela nutricional adequada para o desenvolvimento de cada um dos filhos... São SuperPoderes de uma SuperMãe. Há quem o consiga. Verdade. E que para além de o conseguir ainda é extremamente feliz. Verdade também. Mas 98,8% não consegue e sente algum desconforto por isso.  

Quem nunca se baralhou com a indumentária para uma das festas de natal-páscoa-fim-de-ano, ou trocou as cores de roupa entre os filhos? (Já contei aquela vez em que TODAS, repito TODAS as meninas do concerto de Natal iam com uma belíssima fita vermelha no cabelo e a minha, com dois lindos totós e laços vermelhos? Não contei? Então vamos fingir que nunca aconteceu. Eram só mais de 80 miúdas em palco. Grande vantagem foi reconhecê-la imediatamente, no meio de tanta cabeça com fita...).

Ou se esqueceu do dia do fotógrafo na escola.

Quem nunca chamou cereais, àquelas coisas, muito açucaradas a que se mistura leite e está despachado o pequeno-almoço?

Ou olhou para a t-shirt, acabada de tirar do molho de roupa por passar e disse para consigo mesmo: Os tecidos enrugados, usam-se. 

Ou foi levar os filhos de pijama à escola. Já o vi e vai daí que a moda pega. 

Quem nunca disse aos miúdos que não, nem mais um chocolate a seguir ao jantar, dissertando sobre todos os malefícios do açúcar e blá-blá-blá... e mal eles adormecem, se senta no sofá e vai um quadrado de chocolate e mais um e mais outro.

Na verdade, uma ou outra coisita, todas e todos nós. E isso não é revelador de incompetência pura. É-se apenas um SuperHumano, com todas as suas fragilidades, assumidas e sentidas sem culpa. Que modelo ou exemplo queremos passar aos miúdos? De que nunca se falha, que é difícil de errar e que alguém, que comete um mínimo deslize merece, no mínimo, prisão por largos tempos?

Mostrar as fragilidades e birras como mães e pais é mostrar que há margem para melhorar, que o erro faz parte e que, na mesma proporção do que não correu bem, há igualmente um outra vontade de mostrar que existe mudança e vontade de fazer melhor. Somos apenas H-U-M-A-N-O-S. E como já dito aqui, está tudo bem. Está mesmo. Ser exigente como mãe ou pai é maravilhoso. Faz-nos ir mais além. Mas não ao ponto de deixarmos de ver o que realmente importa nesta relação bonita que é suposto ser a que se tem com os filhos. Abre também espaço para que também eles queiram fazer caminho com desafios de melhorar e serem SuperHumanos

Mesmo com o vento a despentear, haja força nesse sorriso. 😉😊









Parte II: Real vs. Imaginário

Acorda cedo e a primeira coisa que faz é ler um livro. A seguir diz que precisa fazer as poucas posições de yoga que conhece, medita por 5 minutos e só então, vai ver um pouco de bonecos na TV. Nunca mais de dois. Segue-se o tempo de ir comer o pequeno-almoço: papas de aveia com frutas. 

Dedica-se de novo à leitura antes de continuar o seu último quadro sobre as férias de verão. Dá uma ajuda no almoço que partilhamos. À tarde pede para ir brincar com os amigos e vai. No final do dia aparece feliz e sereno, dá um abraço sentido, diz que somos o melhor que lhe podíamos ter acontecido. Escreve no diário de verão que este foi mais um dia feliz e sonha alto com o que ainda está para lhe vir, já no dia seguinte.


...


Há os que lêem muito e há os que até para lerem a receita do bolo preferido se atiram ao chão e dizem que não. 

Há os que brincam e fazem amigos com muita facilidade, em qualquer lugar da rua e do mundo, e os que ficam a olhar primeiro, e olhar a seguir, e mais um pouco e só já quando dizemos que vamos embora é que respondem um "Já?" e pedem só mais um pouco, que querem entrar na brincadeira.

Há os que dão mil beijos e os que beijam apenas com o olhar. Há também os que fazem isto tudo misturado, com muita mestria. 

Há os que respondem primeiro sempre que sim a um pedido e os que desafiam primeiro a vida com um redondo Não só para termos a certeza, das certezas que lhes pedimos e nos desafiam a saber os motivos íntimos do que lhes pedimos.

Há os que se perdem de amores com a TV e os que só colados às pernas de crescidos encontram o mundo real da fantasia.

Há os que decoram tudo (mesmo o que não é suposto...) e os que, só com muita meiguice e aconchego de segurança, aprendem nas voltas de uma memória que precisa de treino de paciência. Muita. 

Há os que vibram com o palco em qualquer festa, sarau e evento e os que irão sempre chorar, apesar dos esforços e promessas que lhe são feitos. 

Há uns e há os outros, os que misturam isto tudo e os que têm um pouquinho de cada. E depois há mães e pais que escolhem, quem os escolheu para gostar, tal como são, em suaves empurradelas de darem o seu melhor, com tudo aquilo com que já nasceram. Só não podem ser aquilo que não são e sobretudo, não querem. É entre este balanço do filho que se tem e se imaginou que iria ser, muitas vezes camuflando vontades pessoais escondidas e atiradas à toa a esta mini-pessoa, que se encontra o tempero certo do filho que se tem à frente. 

O resto... é fazer uma grande careta à vida.


Real vs Imaginário



Para breve, por aqui.

Setembro

Setembro parece-me assim sempre como o início do ano novo. O outro, o civil. Termina o ciclo sem despertador e a tirania do relógio. O largar a t-shirt descomplicada combinada com o calçonete garrido + chinelo de enfiar no dedão e aqui vai disto. Há trabalhos (e climas!) em que dá para estar assim o ano inteiro. Há outros que não... ainda!

Por aqui domesticam-se os quartos deles. Encaixota-se finalmente os livros do ano anterior (sim...porque é preciso arranjar espaço para os deste ano e arrasto essa tarefa até que não seja possível ignorá-la), dá-se um vista pela roupa que deixou de servir e constata-se que vão passar a andar apenas com o mesmo par de calças e casaco os próximos meses. Volto à minha teoria de que, afinal, as crianças crescem com o sol e basta uma boa dose de fotossíntese diária para passarem de calças a calções. 

Setembro é também mês de viragem de mais um ano meu. Demorar nos balanços apenas o tempo suficiente para ganhar fôlego para o que ainda aí vem. 

Setembro é tempo de (re) pensar projetos futuros para perto e para o longe, definir o que afinal norteia a mente e o coração e seguir um pouco nesse medo com sabor a aventura que é agarrar o que nos faz melhor. 

Setembro é tempo de focar e olhar lá para a frente, sabendo que é passinho a passinho que se chega lá.




Está tudo bem

Sair da zona de conforto é dito como sendo importante para nos obrigarmos a crescer, reinventar ou desenvolver. 

Por outro lado, estar ali no bem bom do nosso canto tem um sabor particular e seguro porque, na maior parte dos casos, demorou-se a chegar ali. Conhecem-se os cantos e manhas e vai-se demorando nesse aconchego bom do que já se conhece. Às vezes é até fundamental para respirar-se e ganhar forças. Por isso, deste lado, sou adepta deste género de sofá e de me manter, de vez em quando, em zona segura que respire tranquilidade. 

As zonas de desconforto fazem dar uma volta maior, obrigam a perguntas e, melhor ainda, a encontrar novas respostas para situações que nem sabíamos que existiam. Há tanto por descobrir para lá das nossas fronteiras interiores. As maiores viagens são essas mesmas. Viagens que nos levam fundo cá dentro. Às vezes mergulha-se tanto nas nossas águas, que até parece que nos falta o ar. Só que não. Foi apenas um momento de fechamento de si e para os outros, para se voltar a encontrar o norte cá de dentro. 

Sair da zona de conforto, sem saber muito bem o que vai acontecer a seguir faz-nos estar mais alertas e por isso todas as aprendizagens são potenciadas. Tudo é novo e ao mesmo tempo tentamos encontrar forma de responder com o que já aprendemos há muito. E se há algo a retirar desta última semana em que nem tudo foi perfeito e o foi ao mesmo tempo, foi isso mesmo: Está tudo bem. Permitir sentir isso mesmo, sem exageros, aceitando cada dia e possibilidade. Está tudo bem. Mesmo que não esteja, perceber (e sobretudo sentir) que faz-se o melhor e o resto é o que está a acontecer e abraçá-lo com a sabedoria do caminho já feito. 

Tinha o sonho de os levar, pela primeira vez numa viagem maior. Finalmente, foi possível. Não foi perfeito porque o pai não conseguiu ir mas está tudo bem porque ele esteve presente de tantas e variadas maneiras.

Não foi perfeito porque houve os muitos cansaços de caminhar e explorar mas está tudo bem porque aprendemos os três, a ouvir-nos melhor e estar mais atentos às necessidades uns dos outros.

Não foi perfeito porque choveu e está tudo bem porque vimos que apesar da chuva, bicicletas continuaram a rolar e passeios a serem feitos. É apenas e tão só, chuva (como muitas outras coisas chatinhas da nossa vida).

Não foi perfeito porque todos os dias queria estar em discurso positivo, aos queixumes de sono-fome-cansaço-birras (deles e meus) mas está tudo bem porque como mãe sei que fui muito longe ao estar sozinha, no meio de algures, com os meus tesouros. Na maior parte dos dias, era só eu e eles. Estão tão crescidos e ajudámo-nos uns aos outros... Respirei muitas vezes fundo e eles ficavam a olhar e respiravam também até que passasse, do meu, ou do lado deles. Foi sobretudo isso, um tempo de treinarmos os tempos e vontades de cada um.

Não foi perfeito porque apesar de querer interagir e dar opiniões, não me entendo naquela língua cerrada mas está tudo bem porque pude ouvir muitas histórias de quem teve a simpatia de as partilhar em inglês e, mesmo com as minhas modestas frases de primeiro ciclo, foi bom apenas deixar-me estar. 

Não foi perfeito porque ficou muito por visitar mas está tudo bem porque a maior visita foi a que fizemos a casa destes nossos amigos, que nos receberam com um amor imenso, partilharam os seus dias e as suas vidas e me ajudaram a tapar feridas que teimavam em sarar. 



Foi um verão muito diferente do habitual, de desassossego vá-se lá saber de que águas profundas. Mas está tudo bem. Está mesmo. Porque a maior viagem é a que fazemos de dentro para fora de nós e sair da zona de conforto é ainda uma das melhores formas, de nos expandirmos, para lá fronteiras: as nossas.