Vamos cuscar? 10#


Falar da Gabriela é falar do seu maravilhoso cabelo ruivo encaracolado, tão rebelde… quanto a dona. É falar de um tom de voz sereno e provocador ao mesmo tempo, de quem pensa sobre o que a rodeia, com aquela sabedoria de perceber que é nos pormenores do dia-a-dia que a vida existe: parar e absorver uma paisagem, uma comida boa, a companhia dos amigos. Os nossos caminhos cruzaram-se por motivos de trabalho onde se discutia formas de estar e pensar num mundo mais Intercultural. Sem hipocrisias, nem falsos moralismos. 

Das vezes que falamos, sinto-me um pouco a enganá-la: porque levo sempre muito das suas experiências, vivências e formas de estar. A Gabriela tem uma energia tão boa que apetece apenas estar ali. Chama-se a isso partilhar e aprender com quem, para além do saber, sabe Ser por inteiro. Vamos cuscar?



Idade: Quase, quase a fechar 45 aninhos bem vividos.

Naturalidade: Da grande nação do Porto que constitui uma parte incontornável da minha identidade.

Comidas preferidas: A cozinha mediterrânica e oriental encanta-me, mas desde que não tenha carne ou leite, gosto de experimentar de tudo.

Um livro a não perder: É impossível escolher. Não passo sem livros e tenho um gosto muito eclético. Tenho um fraquinho por ficção científica desde miúda e por literatura nórdica desde o ano passado. Agora ando a descobrir o Nikos Kazantzakis e estou encantada. Aconselhava a não perder o último que li dele - “Report to Grego” que ainda estou a digerir e infeliz por ter terminado.

Se pudesses convidar alguém famoso (vivo ou morto) para jantar, quem escolherias e porquê?
Convidava mesmo o Nikos Kazantzakis. Acabei de o descobrir e depois do “Report to Greco” que é uma espécie de autobiografia, tenho muitas perguntas para lhe fazer. Era um homem interessantíssimo, sem medo de se questionar a si próprio e ao mundo, um dos maiores escritores, poetas e pensadores gregos do século XX.

1.       Esta tua paixão pelas questões de educação, começou como?
Acho que já nasceu comigo, porque sempre gostei de aprender. Sempre tive um espirito muito curioso sobre tudo o que me rodeia. Como profissão, percebi a certa altura, quando estava muito envolvida com movimentos sociais e o associativismo, que a Educação era o instrumento mais sustentável para promover mudanças positivas na vida das pessoas e no planeta. E então orientei a minha vida nesse sentido, de promover e desenvolver a Educação.


2.       Se tivesses uma varinha mágica, o que mudavas já na forma como a educação está a funcionar no nosso país?
Com uma varinha mágica estás a pedir a utopia a curto prazo e nesse caso mudava tudo: turmas mais pequenas, mais professores, currículos integrados, mais arte, mais filosofia, mais tecnologia, mais aprendizagens fora de 4 paredes, mais competências pessoais e sociais, mais tempo para brincar e para usufruir da natureza, mais cooperação e menos competição, avaliação diferenciada… podíamos ficar aqui muito tempo.


3.       Como surgiu a tua ligação com a UNICEF - Angola?
Eu sou consultora independente e presto-lhes serviços. Tenho trabalhado com ONGDs portuguesas e estrangeiras, instituições públicas, enfim vários actores do desenvolvimento a quem presto serviços na área da educação. Nos últimos anos tenho tido alguns contratos com a UNICEF e tudo começou com uma candidatura normal. Calhou de o meu perfil ser o que eles precisavam.





4.       Diz-se que quem passa por África, não fica indiferente. Verdade?
São experiências muito intensas. Há pessoas que detestam, outras que amam e provavelmente a maioria vive uma montanha russa de sentimentos contraditórios. Eu sou uma delas. O certo é que, para o melhor e para o pior, essas experiências causam desconforto e encantamento, abalam as nossas crenças, os nossos valores, a nossa visão do mundo. Eu gosto disso.




5.       Os teus relatos por Angola são cheios de colorido realista de quem, por um lado, sabe ver para lá do cinza, e de quem, por outro, já perdeu a ingenuidade de acreditar que o mundo muda, só com a boa vontade. Como é o teu dia-a-dia lá?
É verdade, tenho noção que no início tinha uma ideia romantizada do trabalho nesta área e com o tempo fui aprendendo a valorizar as pequenas mudanças que somos capazes de criar no dia a dia, nas pessoas com quem nos relacionamos, nas comunidades. E aprendi que posso fazer isso em países de África ou em qualquer outro lugar. O facto de continuar a gostar de trabalhar nestes contextos é porque me confrontam mais, porque estou mais exposta a diferenças, ao choque cultural, porque gosto de viajar e conhecer outras culturas. Acho que tenho uma visão muito mais realista e honesta hoje em dia.

Quanto ao meu quotidiano, depende do projecto em que estou a trabalhar. Tanto posso estar num gabinete do Ministério da Educação a fazer uma colaboração para assistência técnica, a dar formação numa associação local, como posso estar a recolher dados, por exemplo, numa povoação rural a muitas horas de viagem por picadas inacreditáveis, onde não há agua potável, nem electricidade, nem internet, nem alojamento confortável ou locais para comer, onde as pessoas vivem em situações de pobreza extrema.





Nas tuas viagens de regresso a Portugal, o que trazes na tua mala?
Trago sempre saudades, que é uma coisa que eu adoro - distanciar-me e ganhar perspectiva para valorizar e ter saudades daquilo e daqueles que são verdadeiramente importantes. Venho sempre carregadinha de aprendizagens também: muitas pessoais, outras profissionais. E trago livros, música, histórias, sabores novos, tudo o que posso descobrir nos lugares por onde passo.


6.       Dos muitos lugares por onde já passaste, qual o que mais te marcou pela positiva?
Moçambique, porque foi o primeiro amor.





7.       Por mais voltas que dês ao globo terrestre, voltas sempre ao teu Porto. O que tem o Porto de tão bom?
Os afectos materializados em pessoas, lugares, paisagens, espaços, memórias. Adoro o facto de ser uma cidade pequena com tudo o que preciso. Adoro poder chegar ao rio e ao mar em 10 minutos e de poder organizar um jantar de amigos a meio da semana em meia hora. Adoro a frontalidade e até alguma rudez desta terra onde palavrão é pontuação das frases. Adoro esta cultura de arregaçar as mangas e não ter medo de ninguém. É a minha casa, acho que isso resume tudo.


8.       Tens um passaporte na tua mão, sem qualquer tipo de restrições. Qual o destino?
Neste momento, a Islândia.


9.       Este blog chama-se Penso Rápido – pequenos remédios para as comichões do dia-a-dia. Que Penso Rápido usas no teu dia-a-dia?
São 3 e curam quase todos os meus males: Meditação, bom humor e ioga.



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