Todos os dias, à mesma hora.
Punha os chinelos no sítio. Calçava lentamente os botins. Primeiro o esquerdo. Depois o direito. Os pés, protestavam com o cheiro da borracha escura, onde faltava o pêlo dos chinelos, a quentura do tecido aos quadrados.
Olhava para o relógio. Estava na hora. Punha a boina. O dia estava de sol de inverno, mesmo sendo Verão.
Um dia claro, um calor que escaldava.
Um frio por dentro, de quem lhe faltava.
Pegou no gato, em jeito de novelo e aninhando-o no meio da manta, no parapeito da janela, pouso-o com uma festa na cabeça. O gato esticou-se e lambeu-lhe a mão, como que a limpar as sujidades das saudades que lhe saiam da pele. Uma saudade que o fazia sair, sempre aquela mesma hora.
Desce a rua. Passo lento. Coração acelerado. Por mais que fizesse concorrência aos caracóis do quintal lá de trás, o coração sempre acelerado com a aproximação do paredão.
Inspira,
expira,
inspira,
expira, quase ao ritmo da ondulação. O coração, não quer saber e solta a saudade por todo o lado e quase não lhe cabendo no peito, lança-se a descompasso, e acelera o ritmo de viver.
Senta-se. Levanta-se. Num ritual ensaiado há mais de largos meses. Uma saudade que lhe arrefece a alma, com calor que esquenta a face. Olha para o longe, mais longe que o mar alcança. Um dia, um dia, naquela mesma hora que partiu, há de chegar. Quem sabe, será hoje, será amanhã?
A esperança é certa,
do tamanho dessa saudade,
que lhe aperta,
e ao mesmo tempo lhe dá alento,
neste sustento, de quem ama de verdade a ...
Foto desta página bonita - Darkroom.
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