Quero muito e tanto

Hoje cheguei a casa e a minha amiga Alice, deixou-me o seguinte desabafo escrito:

"Quero rir mais. Muito mais.

Quero dizer que sim mais vezes. Dizemos poucas vezes que sim ao que gostamos.

Quero abraçar ainda mais.

Quero apenas ficar a ouvir...nada.

Quero ficar em silêncio e escutar o que vai cá dentro.

Quero ficar por ali a dormir, saborear cada momento de descanso.

Quero parar o relógio, mesmo que ele esteja em movimento e sentir cada momento, sem saudade porque o senti em pleno.

Quero sonhar muito e muito alto. Sem cair, sem exageros. Porque os sonhos não sofrem de limite de velocidade nem de vertigens.

Quero dizer que não, sempre que o corpo e a alma se queixe. Porque é demais, já chega ou o limite foi alcançado.

Quero apenas e unicamente ser feliz. Não amanhã, nem depois. Sê-lo apenas agora, mesmo que haja quem diga que "Um dia quando... " ou " Quando eu... ". Chegam os Se´s.

Quero apenas ter a lucidez suficiente para decidir o que é o melhor a cada momento. Sem medo do que virá. "

E fiquei para ali a pensar, no que também eu queria...

Créditos de imagem: Quadro de Joana Lopes

Pirata de coroa -Princesa de pala



E foi tudo para o lixo

Era a lista para as compras.
Lista para as atividades dos miúdos: ballet, Karate, mandarim, como fazer um pudim, ciclismo, malabarismo.
O caderno da lista doméstica: trocar as roupas da estação do ano (ainda existem?), limpar os sapatos, os atacadores, arrumar os livros e pergaminhos da estante que eram da avó. A gaveta do frigorífico e a tábua de cortar a carne. Desinfetar e arrumar. Limpar os wc´s com o detergente azul, a cozinha com o verde. 
Faltava outro caderno da lista do trabalho: marcar 4 reuniões, mandar vir os materiais para as maquetas novas, responder aos últimos 30 mail´s, atualizar o estado no facebook profissional e fazer o pino,  a cada 45 minutos para ativar a circulação sanguínea e incrementar mais ideias.
E ainda a lista da família: tratar do bolo de anos da tia Alzirinha, a prenda da sobrinha mais nova e imprimir as fotos do último Verão em Mira.

Havia claro, uma lista que coordenava todas estas listas. De forma a que tudo batesse certo, não fosse o universo parar de respirar.

Naquele dia, entre muitos post-it de várias cores florescentes diferentes, o quadro de registo desmoronou-se no chão. Ou teria sido ela? 

Os muitos afazeres fugiram das folhas, das listas, das enormes listas e apanhando a janela aberta, fugiram por entre a fresta e lançaram-se no espaço. Literalmente voo tudo para o espaço. Foi-se. Trabalho de horas, raciocínios complexos de tentar encaixar tudo. Foi-se. 

Como fazer, viver ou respirar... sem as listas?

Olhou então para o que tinha ficado em cima da mesa de trabalho, na parede e no quadro de tarefas. Nada. Um vazio. Ou o vazio seria dentro dela?

Pegou num lápis, fechou os olhos. Respirou. Uma, duas, três, quatro vezes. Respirou de novo. Uma, duas, três, quatro vezes. Respirou mais uma vez. Uma, duas, três, quatro vezes. Olhou de novo para as folhas, para as listas, agora vazias. E começou a desenhar, a escrever, o que realmente era importante naquele dia:

  • Sorrir, para dentro. Para fora. Para mim. Para os outros.
  • Rir...pelo menos uma vez, com imensa vontade. Criar situações de riso.
  • Abraçar, mais.
  • Brincar. Atirar-me para o chão, pegar em carros, bonecas, na consola...brincar com eles.
  • Sentir-me grata. Abençoada. 
  • Deixar de listar tanto. Viver.
  • Estar consciente do presente. Do agora. 
E foi assim, que tudo o resto foi para o lixo.


imagem daqui - We Blog You

O meu Zé

Estava a rir. Aquele riso característico de quem sabe o caminho que quer fazer. Nas voltas e curvas, o José conseguia dar ânimo. Espanjava, a torto e a direito muita coisa boa. Havia, por ali, sempre palavras adoçadas e de incentivos. Fazia-o por profissão mas ia mais além do que isso. Estava-lhe na massa do sangue. Conheço o José, ou melhor, conheço o Zé, desde sempre. Facilmente lhe mandava sms ou telefonava. Ali repousava energia a destilar cor vibrante.

Semana passada mandei sms. Só para um café, uma bola de chocolate, ou no caso dele, uma empada e um fino. Mandei-lhe outra. E ainda outra. Nada. Liguei-lhe, uma, duas, dez vezes. Pelas 18h começo a ficar realmente alarmada e, no caminho para casa, faço um desvio e paro à porta do Lote 58. Motorizada à porta. Caixa do correio a abarrotar de publicidade. Toco algumas vezes à campainha, até que, já com o coração numa das mãos e na outra, o telemóvel  a marcar o 112 ou número que o valha, atende uma voz que não conheço. Era o Zé. Não percebo mas lá subo as escadas.

Era, e não era o Zé. A casa, bonita e sempre a destilar cores e sons vibrantes, estava cinzenta. Alias, estava tudo, muito, muito cinzento. 

O Zé olhou-me, fitou-me como só ele sabe. Mesmo estando com o ar desgastado de uma qualquer tareia (ou seriam várias?), estava ali a olhar-me, tristemente e contudo, notava-se alguma doçura lá dentro. A dele. Tão, tão dele. 

Eram já perto das 23h quando saio pela porta do prédio. 
Caramba, às vezes até para o Zé, fica tudo muito, muito cinzento. Uma chatice, uma enorme injustiça no emprego. Um amigo, ou suposto amigo, que fez o que não devia... de novo, trair a sua confiança. Um amor que dói de tanto se querer. Sonhos que ficam adiados. Seja lá o que tenha sido, seja uma, duas ou muitas coisas que deitaram o Zé naquele estado, que na verdade, deita qualquer um abaixo, pela condição humana que ainda se vai tendo, às vezes, fica apenas tudo muito, muito cinzento. Primeiro no coração, depois para os braços, as pernas, a cabeça, estende-se pelos dedos e ... sai! Sem se dar conta, contamina-se o ar em redor e quando a visão fica deturpada, torna-se difícil ver mais além. 

O meu amigo Zé, não é, de forma alguma, um Zé ninguém, é sobretudo um Zé Alguém:

  • alguém que sente por ser, tão, tão boa gente;
  • alguém que continua a querer persistir que o maior sonho que possa acalentar é o de sonhar acordado, com os pés assentes no chão, sentindo-se livre em decidir o que é o melhor para si;
  • alguém que apenas, "apenas-com-aspas", quer tanto e muito ser feliz, que o assume como um caminho e não como uma meta a alcançar. 
O meu amigo Zé-Muito-Alguém só quer ser tratado com o respeito que sabe que merece. Por isso, e depois de um longo e sentido abraço de despedida, o Zé me contava que ver gente feliz por aí era fácil. Gente que vive em castelos cor-de-rosa, com frigoríficos cheios, contas cheias, carros cheios de si, armários e dispensas cheias. Gente cheia de muita coisa. E desprovida de sentido de realidade, de sensatez. Desprovidos dos muitos sacrifícios diários dos Zés. Dizia-me então o Zé, que era tão fácil ter todos os recursos ao pé, e sorrir. Mesmo que esses tontos ou tolos, se queixem, literalmente, de barriga cheia. Não há pachorra que aguente. Estão longe, longe de imaginar, como é a vida atrás das "câmaras". 

Dizia-me então o meu Zé que, conseguir sorrir e, sobretudo, ser insanamente feliz, procurar a felicidade das entranhas, enquanto tudo à volta está muito, muito cinzento é tão ou muito difícil, quanto gratificante em si. Ser feliz, procurar a felicidade, enquanto tudo à volta se desmorona é um ato de bravura, apenas alcançado com os muitos anos e experiências. Estar feliz quando estamos deitados em areias límpidas e águas mornas, em plenas Caraíbas, em boa companhia é quase, quase obrigatório. 

Buscar felicidade no meio de cartas de contas, de portas que se fecham, telefonemas difusos e confusos. De gente que está a leste, que vive em planetas tão, tão diferentes. Isso sim. 

O olhar doce do Zé, continuava lá. Sei que amanhã de manhã, ele já vai ter um plano qualquer para pintar o cinza. Porque o Zé é dos duros e insiste, persiste e quer muito ser feliz, em qualquer cenário. Antes de sair, escrevemos os dois, numa folha que ele lá tinha, e que colamos no espelho de entrada, a seguinte frase: "O que a vida nos der, estamos preparados. É só estar seguro e ser presente!". Descobrimos aqui. E fez-nos sentido.

Amanhã o Zé, já sei que vai ter um plano. Um plano que pode não ser de trabalho, de marketing global ou estratégico-empresarial. Será um plano simples de como ser estupidamente feliz, loucamente feliz, quando tudo à volta o contraria e lhe quer fazer acreditar que o não pode ser. Porque essa, dizia-me o Zé, é o pior poder de todos, a capacidade de inverter as crenças nos outros. E essa, eu sei que o mé Zé, não vai deixar.