Sentámo-nos na esplanada como normalmente a seguir ao almoço. Notei-lhe uma agitação diferente. Um sorriso sereno e feliz. E contudo... havia ali qualquer coisa.
Há mais de dois meses que conseguiamo-nos encontrar por ali. Desde que a Luísa tinha saído da empresa. Mais um corte. No início deste mês estava particularmente preocupada. Neste momento trabalhava a partir de casa mas este mês, em particular, o trabalho ... nem vê-lo. Próximo mês estava quase todo preenchido, mas este... E sentia-lhe a angústia das contas para pagar, da creche dos gémeos, dos impostas, blá, blá... E a Luísa é das que vai à procura. Não se deixa ficar. Avança em várias frentes. Apenas, naquele mês, estava difícil. O que acabou por descobrir foi que, tinha de tirar o melhor proveito daquilo. Lembrou-se então de voltar a redefinir projetos, os profissionais mas também os pessoais.
Chegado ao fim do mês, ali estavamos as duas.
"Sabes? Acho que este mês me saiu o euromilhões!"
O café estava morno mas acabei por cuspi-lo para cima da senhora tia, sentada ao nosso lado. Depois de mil desculpas, de um tira nódas à pressão, virei-me e gritei em surdina:
- Tu o qué?
- Saiu-me o euromilhões. Aliás, bem melhor que isso. Este mês foi difícil. O próximo ainda vai ser mais, mesmo com o trabalho marcado. Sabes como é, os pagamentos que nunca mais chegam, os atrasos. Mas saiu-me o euromilhões.
Como continuava com cara de bispo, em véspera de sexta-feira santa, apressou-se a explicar:
- Reencontrei-me com os meninos. Reencontrei-me comigo, com a comida. Mas sobretudo, reencontrei-me com os meninos. Aqueles dias na serra, em que fomos só os 3... descobri uma nova mãe, que pensei que nem existisse. E falta-me a estabilidade e chateia-me muito nunca saber o dia de amanhã. Mas sabes? Desaparece sempre tanta gente de um momento para o outro e a isso também não se pode chamar estabilidade. E eu sei com o que conto, comigo, com os miúdos e o Zé. Mas aqueles dias em que fui sozinha com os gémeos, fez-me pensar. Não tem preço o tempo com eles. Não tem preço, o pôr-do-sol à beira do lago e nós a atirar pedras para lá, ou a fugir do pastor porque lhe espantamos o rebanho. Não tem preço, sabes? Ou fazermos picniques por ali, porque não há dinheiro para outras mordomias. E temo-nos descoberto tanto, tanto.... Não tem preço. Se quero ganhar mais dinheiro? Quero, quero muito. Mas isto que estou a ganhar, ninguém me poderia dar ou eu comprar. São escolhas, são tempos de Vida. Por isso te digo, saiu-me muito melhor que o euromilhões. A percepção do presente e dos que amo.
E com isto ficámos no silêncio. Eu e a minha amiga Luísa multimilionária. Acho que ainda hoje, ao fim da tarde, vou passar a jogar na mesma lotaria que ela.