Vamos cuscar 20#


A Sandra sorri com os olhos e estes são grandes e cheios de vida, não aguentando o tanto que têm para dar. Talvez por isso, decidiu dar do seu olhar aos outros. Um gosto em estar com eles, e este seu jeito de estar com os mais novos. Lembro-me de a ver pequenita, quando morávamos pelo mesmo bairro. Mais tarde nas saídas à noite, pelo café do costume e depois a Sandra andou a viajar por aí, à procura dessa sua vontade de estar perto dos mais pequenos até que, há tempos me apercebi que esse por aí era… Timor Leste. Daqui até lá são uma data de quilómetros, mais ou menos, mais de 14 mil e trezentos. Então, o que fez a Sandra rumar até tão longe? Vem aí mais um Vamos Cuscar.



Idade: 34
Naturalidade: Sertã
Comidas preferidas: Cozido à Portuguesa
Um livro a não perder: Inteligência Emocional, de Daniel Goleman, não só pelo seu conteúdo mas porque naquela altura me fez pensar...

1.       Desde que eras miúda, querias tomar conta de miúdos?
Não, como todas as miúdas eu quis ser quase tudo: polícia, arqueóloga, professora, psicóloga...


2.       O que te fez escolher esta área?
Ter uma família grande cheia de primos mais novos ajudou bastante, sempre me habituei a lidar com crianças. Mas acho que só durante o curso e quando comecei a trabalhar é que percebi que era mesmo isto que eu queria fazer. Somos bastante imaturos quando escolhemos a nossa formação, que hoje não é estanque, e ainda bem.




3.       O que é que os mais novos te ensinam?
Tanta coisa... a visão pura da vida e o foco nas coisas simples, a ser mais flexível, a ouvir antes de julgar, a ser mais jovem e mais alegre.



4.       Os filhos dos outros, passam a ser, um pouco, os teus filhos?
Grande parte do meu dia é passado com aquelas crianças, vivo as suas inseguranças e a suas certezas, sou alvo de críticas incisivas e de carinhos inesgotáveis. É muito fácil criar laços com crianças, desde as mais serenas às que requerem mais atenção.


5.       Como geres a despedida destes filhos emprestados, no fim de cada ano letivo?
Com o tempo habituei-me a este vai e vem de "filhos",  mentalizei-me que eles têm que crescer, seguir o seu caminho e eu o meu. Mas mantenho contacto com alguns, é muito interessante ver de longe o seu percurso e confirmar que alguns traços da personalidade ainda estão lá, bem vincados, desde pequenos.



6.       O que é que não se diz e é preciso dizer, sobre a educação de infância?
Que somos a base do ensino, e que esta base bem consolidada é o pilar de uma aprendizagem de qualidade. Que os educadores de infância são profissionais, que a educação de infância é uma atividade profissional, pensada e estruturada. Que não "tomamos conta" de crianças e que a nossa experiência e perspetiva devia ter tanto peso como a de outros profissionais.



7.       Deves ter muitas histórias na tua arca de recordações. Lembras-te de alguma em particular?
São tantas... mas falando em críticas e sinceridade, depois de um ataque de acne, ouvi de uma criança: "Ai Sandra, hoje estás tão feia."



8.       Partir, rumo a Timor Leste é uma decisão audaz. O que te fez comprar o bilhete de avião?
Timor-Leste era um sonho antigo, desde os tempos das imagens na televisão do massacre de Santa Cruz, que naquela altura, talvez pela idade, me marcaram bastante. Daí surge a curiosidade por este país e por este povo. Foi um sonho constantemente adiado, esta não foi a primeira vez que tentei vir para Timor-Leste. Poder aliar a parte profissional, à descoberta deste país e deste povo,  foi a oportunidade que não deixei escapar. 




9.       À chegada, que desafios encontraste?
A adaptação a outra cultura, outros hábitos, outro clima, aos olhares... os primeiros tempos são de constantes novidades a cada minuto. Nada é nosso, nem as pessoas, nem as condições de vida, no início sentes falta de quase tudo... Como fiquei na montanha a adaptação ao isolamento também foi lenta, até reinventar novos hábitos e novas rotinas demora algum tempo. Mas o ser humano tem uma impressionante capacidade de adaptação e neste momento já me sinto perfeitamente adaptada, primeiro estranha-se e depois entranha-se.



10.   Nesta altura em que o mundo, por vezes, parece um pouco ao contrário, o que tem Timor para oferecer?
Tem muito. Pessoalmente dá-me uma perspetiva do mundo para além da minha caixinha, a capacidade de valorizar as coisas mais simples, de me superar a cada dia e de relativizar os obstáculos.  Profissionalmente ainda existe respeito pela figura do professor e valoriza-se o ensino. Todos os dias cresce um sentimento de utilidade que me enche o coração e a alma.



11.   Como é um dia típico teu?
Às 8h começam as atividades letivas, que decorrem durante a manhã, de tarde regresso à escola, para planificação, preparação de materiais, apoios ou para atividades com a comunidade, como a formação de língua portuguesa e de cozinha, por exemplo.




12.   Deve haver momentos de saudades. Do que já vais sentindo falta?
No início sentia falta de tudo, foi uma mudança de estilo de vida drástica.  Agora sinto falta de passar tempo com a minha família e com os amigos, as tecnologias encurtaram um pouco a distância, no início, mas agora as saudades já apertam.



13.   Semelhanças entre Portugal e Timor… quais?
São um povo genuíno como o povo português, mas é uma nação muito jovem, que foi oprimida durante muitos anos e está agora a soltar as amarras. Culturalmente, a influência portuguesa já é muito dispersa, por causa dos anos de ocupação indonésia.  Com a independência, a língua portuguesa torna-se uma das línguas oficiais de Timor-Leste, mas não são muitas as pessoas que dominam esta língua. São maioritariamente Católicos, ainda por influência portuguesa, mas são mais participativos e conservadores.  Um beijo no rosto, durante um filme visto em público, ainda dá direito a ovação de pé e rostos corados.

Ainda é um país em reconstrução, faltam infraestruturas e recursos de quase todo o tipo. Esta diferença sente-se especialmente nas localidades mais isoladas, tal como também acontece no nosso país, noutra proporção, na zona centro, por exemplo. A diferença é que aqui não se sente o envelhecimento da população, pois a taxa de natalidade é bastante alta.

Ao nível do ensino também há muitas diferenças, a nível de infraestruturas e de formação de professores. Mas tem-se feito um grande esforço para colmatar estas lacunas. Acredito que com o tempo e empenho se chegará a bom porto.


Quanto às crianças, são alegres e espontâneas como em qualquer parte do mundo. Aqui valorizam o essencial, joga-se "à bola" descalço ou descalça-se o pé que chuta a bola, para não estragar os sapatos, e  chora-se compulsivamente quando se estraga um chinelo.

14.   O que vais trazer na tua bagagem?
Uma vivencia muito diferente, novas experiências, o contacto com outra cultura, uma nova forma de interpretar e lidar com os problemas, muitas histórias, boas recordações e saudades ...



15.   Depois de Timor, quais são os teus planos?
Viver um dia de cada vez... mas esta experiência despertou-me a curiosidade por conhecer outros países da comunidade de língua portuguesa, quem sabe...


16.   Este blog chama-se Penso Rápido – pequenos remédios para as comichões do dia-a-dia. Que Penso Rápido usas no teu dia-a-dia?

Eu acredito que se estamos aqui, é para sermos felizes, então, se não te faz feliz, muda-te. 




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