Paixão por.

Henriqueta levantava-se todo os dias, mais coisa, menos coisa, pelas 6h44. Uma rotina estruturada, pensada, até ao vigésimo cabelo branco. Parava no mesmo café, dia sim, dia não: "Um café cheio, uma gota de leite, se-faz-favori."

Pegava na bicicleta. No cesto desta, uma mala com papéis arrumados, organizados por temas de importância do dia. Às costas, uma mochila simples com o que precisava diariamente:
- água;
- carteira;
- telemóvel;
- Tablet;
- escova...e mais 23 coisas fundamentais à sobrevivência feminina actual.

Henriqueta entrava pontualmente às 8h29. Saí tardiamente, sempre depois das 19h. Feliz no trabalho mas nos últimos meses, custava a entrar e uma vontade sempre muito grande de vir respirar ares de rua. Um sufoco claustrofóbico de estar presa e aquele ir e vir de todos os dias. Falta de sentir formigas a subirem-lhe pernas e braços a fora. Borboletas no estômago. Enfim, uma selva inteira adormecida nas entranhas dos seus pensamentos.

Henriqueta mandou tudo para o c... Foi ontem. Sem aviso prévio, nem postal de pagamento. Não entrou ao serviço às 8h29, nem às 8h30, nem às 9h, nem às 9h25.

Parou à beira rio que atravessava aquele lugar. Bicicleta para um lado. Mochila para o outro. No meio, ela. Olhou e contou todas as nuvens que passavam. Até se f-a-r-t-a-r.

Pegou num bloco que ia sempre na mochila. Um dos 23 itens fundamentais.

Título: Paixão por.

Paixão por correr descalça na praia. Paixão pela praia. Pelo cheiro, pela água. Por estar na areia a contemplar. A comer uma bola de Berlim. A ler. A rebolar.

Paixão por ler até que os olhos lhe doam.

Paixão por escrever. Uma, duas, três vezes. Sempre que a inspiração apareça, sem manda-la esperar, nessa sala de estar da imaginação e que tem medo, tanto medo, que de tanto a fazer esperar, um dia destes, a inspiração, se inspire dali para fora.

Paixão por viajar. Pegar na mala, na mochila, pegar num avião, num barco. No carro de empréstimo e meter-se estrada fora, água e ar a dentro, até que o corpo lhe peça sossego.

Paixão por noites de amor. Para que adiá-las?

Paixão por ter gente à frente, com ganas de trabalhar até que a alma doa e que vibre com ela, em cada aventura nova.

Paixão por todos eles.  Apenas estar com e neles. Os dela, os da tribo. Os de sangue, os outros também.

Henriqueta quer Paixão e quer agora. Porque é agora que ela está cá.

 






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